Otávio - @vendavaldelivros 19/04/2024
“O Coronel comprovou que quarenta anos de vida em comum, de fome em comum, de sofrimentos comuns, não lhe bastaram para conhecer sua mulher. Sentiu que também no amor alguma coisa tinha envelhecido.”
O luto tem diversas formas de se apresentar nas nossas vidas. Da perda de pessoas queridas até a morte de um passado vitorioso e de conquistas, podemos ser confrontados por esse sentimento ao longo da construção das nossas histórias. É difícil saber quando será o último carinho na pessoa amada ou o ponto de inflexão que nos fez seguir um trajeto que pode não ter sido o melhor. Nos resta, talvez, viver o melhor e construir uma possibilidade justa de futuro.
Todo ano começo minhas leituras por um livro do Gabo, não lembro quando comecei essa tradição, mas tenho pra mim que, dentre tantos motivos, um deles é guardar as obras do autor para o futuro, já que não leio mais nenhum livro dele ao longo do ano.
Publicado em 1961, seis anos antes de Cem Anos de Solidão, aqui Gabo traz a história de um Coronel do exército que vive em uma vila afastada com sua esposa, após perderem o filho envolvido com conspirações políticas. O Coronel aguarda semanalmente há anos uma aposentadoria, um soldo pelo tempo de serviço prestado, enquanto vivem uma vida de miséria e privação. A expectativa também se estende ao galo de briga que ficou como herança do filho morto e passa a ser a esperança de bons lucros “quando ele estiver pronto para competir".
Sempre vou ser suspeito sobre Gabriel Garcia Márquez, mas esse livro é de fato maravilhoso. Gabo sabia retratar a alma humana como poucos, principalmente a nossa, latino-americanos. A espera do Coronel torna-se a nossa, as dores dele também e passamos a ver como sua vida é preenchida pelo luto, pela ausência e por uma esperança, que o move, de forma cambaleante porque é o que resta. Viver foi o que sobrou, então eles vivem.
As referências de Macondo e dos Buendía já estão presentes aqui e ajudam formar o imaginário do leitor que já conhece sua principal obra. Lindo, triste, por vezes cômico, uma ótima porta de entrada para quem quer conhecer esse gênio e, também, olhar o próprio mundo e as próprias dores.