de Paula 19/12/2021
Lá em cima do piano tinha um copo...
Este é meu primeiro contato com o autor e esperava que o livro fosse um compêndio de análise profunda da alma humana e foi o que encontrei. O título me lembrou a música infantil "lá em cima do piano tinha um copo de veneno, quem bebeu fui morreu, o culpado não fui eu" e penso que tem uma estrita relação com o narrador e seu copo de cólera.
A escrita de Nassar é única e se assemelha aos blocos de Saramago, porém, cada capítulo conta com apenas um parágrafo onde tudo se desenrola. Não há aprofundamento nos personagens, apenas o momento que se vive e o que se desencadeia dele.
O livro tem uma proposta erótica, porém não é vulgar. Trata-se de um relacionamento sexual entre um casal que se suporta pelo prazer, ainda que não o bastante, só o suficiente. Na primeira parte fiquei incomodada com a cena do banho, a qual só fui entender no final do livro.
Como é a segunda vez que escrevo a resenha, portanto, perdi muito tempo na primeira vez para o Skoob não registrar, vou fazer comentários mais simples. O copo de cólera é despejado em todos os que são miúdos e inferiores ao narrador, como as formigas, os empregados e claro, a mulher. Ela por sua vez o tira do sério por atingir o seu âmago de forma mais assertiva que ele faz com ela, tendo que recorrer, como uma criança ou adolescente, a ameaça física e ao erotismo, jogando logo depois na cara dela que sua sexualidade é repulsiva. Após "vencer", ele vira um menino e relembra como sua vida era mais fácil naquela época. Claro que sua vulnerabilidade transparece depois da mulher ir embora.
Como vítima de abuso psicológico e físico, a portadora da síndrome de Estocolmo, volta correndo para o agressor no final do dia, onde pretende angariar benefícios no relacionamento sexual, mas a sua recompensa sempre será não o bastante, só o suficiente. A semente geminada com o esperma dele em seu uterozinho cerebral faz efeito e ela narra a própria história como ele, como o exemplo do homem vestido de mulher no carnaval ou boneco de ventrículo em seu circo particular. Ele, que por sua vez só quer que a parceira cuide dele como se fosse sua mãe, a aguarda deitado em posição fetal, o que desperta o "amor" nela de novo.
A história te prende, você sente o clímax chegando com ansiedade e angústia, assim como a indignação por todo esse ciclo doentio do casal. É uma leitura que acaba, mas não te deixa em paz tão cedo. Muito feliz de saber que foi escrito por um brasileiro. Vale a pena conferir e analisar por si próprio se o veneno do copo de cólera faz mal em quem é derramado ou em si próprio, remoendo as entranhas por não aceitar e aproveitar o momento da vida que se vive, retornando a infância, como refúgio para fugir das próprias responsabilidades.