Antonio Luiz 25/03/2010
O que neurologia tem a ver com economia? A pergunta pode surpreender, mas "O Erro de Descartes", do neurologista português António Damásio (Schwarcz, 2000), sugere uma interessante conexão. O livro analisa casos de doentes que sofreram danos numa determinada parte do cérebro, os lobos pré-frontais, devido a acidentes, tumores ou certas intervenções cirúrgicas. Tornam-se totalmente incapazes de levar uma vida normal: não conseguem manter um trabalho ou um relacionamento estável e tomam decisões financeiras e comerciais sistematicamente desastradas. Mas também não conseguem obter pensão por invalidez, pois seu desempenho nos testes psicológicos usuais, inclusive o de QI, é impecável. Mesmo quando avaliados na capacidade de refletir sobre questões éticas, sua atuação é perfeitamente normal.
Quando vistos de perto, seu problema não está em decidir de forma leviana, mas em não conseguir tomar decisões. Cada vez que têm de decidir sobre qualquer detalhe, perdem totalmente de vista seus objetivos globais e não conseguem aprender com os erros. Divagam interminavelmente sobre problemas insignificantes, perdendo-se num labirinto sem saída. Damásio pediu a um dos pacientes para escolher entre duas datas, com poucos dias de diferença, para marcar uma próxima sessão. O doente puxou a agenda e durante meia hora enumerou razões a favor e contra cada uma das datas como possíveis compromissos e condições meteorológicas comparando custos e benefícios das diferentes opções. Quando o médico finalmente lhe disse que deveria vir na segunda data, limitou-se a responder está bem e ir embora.
A interessante descoberta de Damásio é que esses pacientes não têm uma deficiência de racionalidade e sim de sentimento. Perdem, entre outras coisas, a capacidade de reagir emocionalmente à beleza e ao sofrimento, embora ainda possam reconhecer intelectualmente o que é belo ou triste. Por que isso os impede de tomar decisões de forma sensata? Afinal, a tradição cartesiana vê a emoção como um empecilho à tomada de decisões racionais. Idealmente, não se deveria deixar o processo racional ser influenciado pelas paixões. A forma correta de tomar uma decisão é considerar os diferentes cenários que dela podem resultar e analisar as relações custo-benefício que dela podem resultar.
E é precisamente isso que os doentes tentam fazer. Eles são a prova viva de que isso não funciona. Seu processo de tomada de decisão leva um tempo enorme e não leva a nada. Nem Einstein conseguiria reter na memória as listas de perdas e ganhos possíveis sem se perder nos cálculos, que teriam de levar em conta a teoria da probabilidade e da estatística de uma forma que muito poucas pessoas conseguem manejar.
Ainda assim, as pessoas que não têm esse tipo de lesão tomam decisões razoavelmente sensatas sobre suas vidas todos os dias, sem serem particularmente geniais. Como conseguem? Segundo Damásio, não é por usarem melhor a razão, mas por saberem usar o sentimento, claramente relacionado às áreas danificadas em doentes como Gage.
Sentimentos, formados a partir da experiência adquirida com as conseqüências a longo prazo de decisões tomadas ou observadas no passado, atuam como alarme para o perigo de escolher certas ações e deixa ao pensamento consciente apenas a consideração final entre os poucos caminhos emocionalmente atraentes.
O fim não justifica os meios, nem a consideração fria e interminável dos meios possíveis. Na verdade, a melhor imagem da cabeça fria que o racionalismo clássico recomenda para se agir corretamente é a de um psicopata ou sociopata insensível e indiferente às conseqüências do que faz, inclusive para si próprio. O funcionamento normal da razão, mesmo no que se costuma chamar de planejamento estratégico, não pode ser separado da emoção.
Para um economista, muito disto soa familiar. A teoria neoclássica foi erguida sobre fundamentos lançados por economistas utilitaristas como William Jevons, convictos de que a sociedade é ou deveria ser constituída de homens econômicos racionais, cujas ações são sempre pautadas pelo objetivo de obter o máximo de utilidade dos recursos que possuem em última análise, pelo cálculo do prazer e do desprazer, da felicidade e da infelicidade que resultarão de cada decisão. Não é novidade objetar que as pessoas não conseguem fazer esse tipo de cálculo na realidade. Os economistas neoclássicos costumam ver nisso uma imperfeição que não afeta os princípios de sua ciência, a ser superada com o aumento da disponibilidade da informação e com o avanço e a popularização do conhecimento econômico.