Karin né? 28/12/2022
Onde sentir-se deprimido é um privilégio
?Depois que Bergen-Belsen foi posto em chamas e fechado, uma placa foi posicionado na entrada: ?Dez mil mortos foram encontrados aqui, outros 13 mil morreram desde então, todos vítimas da nova ordem alemã na Europa e um exemplo da cultura nazista?. Esses são os números oficiais, mas, pelo que vivi e vi acontecer ao meu redor, desconfio que o número de pessoas que perderam a vida foi ainda maior.?
Em maioria, conhecemos a história da Segunda Guerra de maneira geral, sabemos o ano em que começou, as pessoas envolvidas na ascensão das ideologias nazistas, as crueldades a partir disso, quantas pessoas morreram e o quão terrível foi. Mas quando lemos o relato de um pessoa específica toda a ideia pré criada sobre o que foi esse período fica de lado para dar lugar a pensamentos novos e revoltas novas, pois recai sobre nós a eminência de que dentro de todos os números que conhecemos estão pessoas que, dentro de sua individualidade, tiveram que conviver com toda a crueldade a eles imposta, e que cada um desses milhares de indivíduos viveu de maneira única essa história plural.
Assim como todos os relatos de sobreviventes do holocausto, este é muito duro. A gente até tenta se consolar com o fato de Nanette ter sobrevivido, mas isso não anula a tristeza e revolta que permeiam a parte mais marcante de sua história.
Tudo que é relacionado a Anne me emociona muito, e as partes em que Nanette a cita partiram o meu coração, tive um sentimento estranho ao ler sobre ela pela perspectiva de outra pessoa se não ela mesma, de todo modo, esse relato é tocante por si só, aqui nós temos a oportunidade de conhecer com detalhes o antes, o durante e o depois de alguém que viveu de maneira efetiva um dos piores momentos da história do mundo.
Uma das coisas que mais me chamou atenção foi como Nanette expõe o elefante na sala que é; o que aconteceu com os ex prisioneiros depois da guerra. Já que essa parte da história fica camuflada quando aprendemos sobre Segunda Guerra na escola, que dá a entender que com o fim da guerra tudo se resolveu e as pessoas magicamente voltaram a viver suas vidas de maneira normal, quando na verdade não. Nanette teve que continuar sobrevivendo mesmo após sua liberdade, se reconstruir interna e externamente, e ainda assim lidar com a realidade de que terão espaços que nunca serão preenchidos, traumas que nunca serão superados, situações que nunca serão compreendidas pelo simples fato de que o que aconteceu excede o entendimento tamanha a crueldade.
Já nas últimas páginas Nanette fala sobre não ter tido tempo para se sentir deprimida, pois estava ocupada de mais tentando sobreviver. É claro que existia uma tristeza embutida e perpétua em seus momentos, mas ter tempo para se lamentar não era uma possibilidade, isso me constrange de um jeito que mal posso conceber.
Fico feliz em saber que Nanette ainda está viva, no auge de seus 93 anos, gostaria de poder abraçá-la e de agradecer pela coragem de compartilhar algo que abriu nela inúmeras chagas incuráveis, com o objetivo de fazer com que sua história, junto a de tantas outras pessoas, não seja esquecida. Todo amor do mundo é pouco para essa mulher.
?Nunca vou conseguir superar e aceitar tudo o que aconteceu comigo, mas vou permanecer falando até os últimos dias, para que ninguém jamais possa afirmar que isso não aconteceu, e para que o mundo não esqueça as dores que a intolerância pode causar. A minha vida eu dedico à minha luta, e assim eu farei até o fim.?