Andre.Pithon 28/05/2024
Bingo de Ficção Especulativa
1.3: Abaixo da Superfície
Modo difícil: Pelo menos metade do livro se baixo no subterrâneo ou subaquático
Wizard of Earthsea é um livro chatíssimo, 100 e poucas páginas que se arrastaram por uma eternidade, em uma narrativa quase fábula previsível e sem graça, com personagens superfícies e drama existencial barato. Na minha review eu passei um pano e falei que consigo ver pessoas adorando a obra, o que é verdade até certo ponto, mas Earthsea é um esqueleto fundador de fantasia que não aguenta o peso de seus sucessores contemporâneos.
Em Tumbas de Atuan eu peço desculpas para Le Guin. Aqui a história é muito menor, mais suja, pessoal, acompanhando Tenar, uma coitada escolhida como sacerdotisa de um templo subterrâneo, que vive uma vida merda mas é tudo que ela conhece, e como essas verdades se estilhaçam no momento em que ela é confrontada pelo estrangeiro, na figura de Ged, o protagonista do livro anterior. E Ged, mesmo sendo um protagonista chatíssimo, é um coadjuvante charmoso, carregando o peso de uma sabedoria que encaixa bem na jornada de Tenar e em sua dificuldade de confiar nos outros, mas principalmente me si mesma.
Aqui Le Guin expande na construção de mundo, pegando frases jogadas do primeiro e as expandindo em fios narrativos interessantes. Em um próprio epílogo da edição que li, a própria Ursula admite que escreveu uns bagulhos aleatórios no final do primeiro só porque a sonoridade era legal e passava um senso de místico, sem nunca ter a intenção de continuar. Mas, ao se sentir atraída de volta para Terramar, ela perto que conceitos desconexos tomem forma em um mundo muito mais culturalmente vivo.
O livro agora fluiu muito mais rápido, a perspectiva de Tenar ancora o leitor em uma vida péssima cercada de ossos e rituais sacerdotais, com conflitos e afetos entre ela e as outras mulheres igualmente aprisionadas nesse destino.
Ainda é um livro obviamente antigo. A resolução de problemas não segue a fórmula esperada de fantasia contemporânea, as coisas tem um ar muito mais místico, mitológico, talvez até despretensioso, uma fantasia lírica que eu não vejo hoje em dia. A tendência atual é ou seguir o literário, fantasia buscando ser arte (Alex Pheby; Sussana Claker; Jemisin; Tamsyn Muir) ou o divertido, o emocionante, o rentável (Sanderson; Abercrombie; George Martin; Tamsyn Muir). Terramar tem uma certa despretensão que alude à oralidade, o contar de histórias que as vezes é meio improvisado, onde tudo não parece conectar perfeitamente, onde coisas existem sem serem essenciais para a trama. Uma narrativa pessoal e pequena, passada de boca em boca, e em muito fortalecida ao afastar-nos da insuportável jornada de Ged e permitir-nos a humanidade fascinante de viver em meio às trevas. Aqui também à simbolismo, mas não é unicamente isto, a história sendo um história e não apenas um desfile de alegorias. E portanto, funciona. E funciona bem.