Léo 09/02/2017
Fantástico, educativo, inesquecível
O que dizer e pensar sobre uma história fantástica onde a interação com seres diferentes e inimagináveis em nossas ideias é totalmente possível? E o que pensar e como encarar a questão das diferenças, principalmente quando estas, se confrontam com outros problemas visíveis e invisíveis do mundo infantil na nossa sociedade? Em A terra dos meninos pelados, um clássico da literatura infanto juvenil escrito pelo inigualável alagoano Graciliano Ramos, um mundo bem diferente do que costumamos enxergar é apontado e contado pelo querido Raimundo, pequeno protagonista que, em sua estatura se mostra realmente pequenino mas, em seu interior, uma grandeza infantil o envolve de maneira cativante e alegre. Ao reler o clássico, pude notar a perfeição da qual o autor utiliza para retratar as indagações sobre as diferenças, um assunto muito discutido há tempos e sempre debatido também nas salas de aula.
A primeira vez que li A terra dos meninos pelados foi justamente dentro de uma sala de aula, e já na época, a paixão pela história e seus fortíssimos personagens me capturou. Uma grande roda de debate foi formada e um momento de discussão sobre o que é ser diferente foi gerado e conduzido brilhantemente por professora e alunos. Se era isso que Graciliano queria quando começou a escrever essa fantástica obra que, em minha visão, é uma das mais importantes do cenário nacional, o autor conseguiu com maestria, pois é quase incomum encontrar alguém que não tenha, ainda, lido e se encantado com a história, que já foi reeditada e publicada diversas vezes, ampliando sua forma de exibição para outros meios de divulgação, como peças teatrais e curtas produzidos por emissoras de TV. A verdade é que, é impossível reler a novela do autor e não se deparar com a grandeza da nossa meninice. É impossível não sorrir, franzir a testa junto a Raimundo 'Pelado' e se deslumbrar com as prosopopeias presentes no conto.
O modelo infantil de Graciliano Ramos é muito agradável. O autor consegue envolver naturalmente até mesmo os leitores mais adultos, os encantando a cada paragrafo e mostrando um mundo do qual todos gostariam de usufruir. O menino Raimundo que o diga, de tanta paixão, queria muito retornar a Tatipirun depois que voltasse pra casa. O ser cativante no menino Raimundo, que se comunica cheio de ternura, desabrochando suas ideias e dúvidas ao dialogar com as mais singulares personagens, como em fábulas, ensina muito e conquista mesmo se não quisesse. Às vezes, a vontade é mesmo de agarrá-lo e abraçá-lo, enquanto se adentra mais e mais à Terra dos meninos pelados, verdadeiro universo fantástico onde laranjeiras, carros, troncos e rãs convivem, se divertem, se sabem, se ligam, se entendem e falam à vontade.
Diferente do que costuma-se enxergar em críticas sociais do universo jovem-adulto onde, às vezes, os autores usam da forma mais forte da realidade para brandir os problemas da sociedade, Graciliano Ramos mostra, com prudência, os obstáculos enfrentados por um menino que, por ser apontado como diferente, se afasta de seu mundo e encontra o seu próprio espaço em meio a seus mais diferentes princípios, aspectos e seres que, dessa vez, o aceitam com agrado. Fica óbvio a busca de Raimundo pela aceitação, somente encontrada num lugar não modificado e apodrecido por aqueles que rotulam conceitos de aparência. O tímido menino queria se igual aos amigos, entretanto, em seu próprio subconsciente, cria um lugar onde tudo e todos são diferentes mas conseguem se socializar com satisfação. Só então ele entende que é necessário haver as diferenças, assim como é fundamental enfrentá-las.
''Aí começaram a surgir as coisas estranhas que há na terra de Tatipirun, coisas que ele tinha adivinhado, mas nunca tinha visto. Sentiu uma grande surpresa ao notar que Tatipirun ficava ali perto de casa. Foi andando na ladeira, mas não precisava subir: enquanto caminhava, o monte ia baixando, baixando, aplanava-se como uma folha de papel. E o caminho, cheio de curvas, estirava-se como uma linha. Depois que ele passava, a ladeira tornava a empinar-se e a estrada se enchia de voltas novamente.''
O autor ainda é perfeito ao escolher o nome Raimundo para dar a seu pequeno protagonista, palavra que tem um significado forte e espelha muito bem a aventura na Terra dos meninos pelados. Raimundo, sábio protetor, nome comum na região nordeste do país; um verdadeiro embate nos valores quando se entende parte do raciocínio e do drama do garoto, de nome tão comum mas apontado por suas diferenças.
A viagem na imaginação do menino torna-se uma realidade necessária na vida dos excluídos sociais. Este é um aspecto muito importante interpretado durante a leitura da novela, que traz diálogos infantis simples, diretos, honestos e educativos. Em cerca de trinta minutos é possível se aventurar num verdadeiro e maravilhoso fim de mundo completamente envolvente, uma viagem com singeleza de volta à infância. (Os meninos pelados) é a retratação lapidada da forma de igualdade que Raimundo busca deste o início de sua aventura. A descoberta de que 'todos os caminhos são certos' na terra dos meninos pelados, animiza a visão do garoto e o faz caminhar, caminha e caminhar sem medo pela nova e agradável terra. Tudo isso é exposto com uma escrita sem contestação de Graciliano Ramos, que ainda tem tempo para aproveitar a regionalidade verbal de sua terra e colocá-la na novela.
''Por que é que não existem pessoas diferentes de nós? Se há criaturas com duas pernas e uma cabeça, pode haver outras com duas cabeças e uma perna. Este anão é burro.
? Estão mexendo comigo, choramingou o anãozinho. Mexem comigo porque eu sou miúdo.
A princesa Caralâmpia puxou-o por um braço, deitou-o no colo e embalou-o:
? Não chore, nanico. Na terra que eu visitei ninguém chora, apesar de todos terem oito olhos, quatro azuis e quatro pretos. As árvores têm as raízes para cima, as folhas para baixo e dão frutas no chão. Os frutos são enormes, as pessoas são como as aranhas.''
Para finalizar, em suas últimas linhas, Raimundo faz um compêndio saudosista de tudo o que viveu na terra dos meninos pelados e se sente triste em possivelmente não poder mais retornar, porém, extremamente contente em alcançar conhecimentos e valores jamais entendidos por ele. Em vinte e três capítulos desse belíssimo clássico nacional, Raimundo 'Pelado' e seus diferentes amigos te surpreendem de tantas formas que você nem sente vontade mais de voltar para a realidade desse mundinho tão preconceituoso. Sinto-me infinitamente feliz em finalmente resenhar este que é mais um livro entre os meus favoritos. É entristecedor saber que muitos leitores desprezam esta obra e não se permitem viajar em busca de novos conhecimentos. Termino a matéria com uma frase retirada do conto e que realmente faz todo o sentido: "Se todos fossem iguais a vida seria enjoada".