Sô 21/08/2019No primeiro volume, o ilustrador dessa HQ, Li Kunwu, vai lembrar de sua infância na qual acompanhou o surgimento de uma nova era na China com a criação de um novo país por Mao Tsé-Tung e, consequentemente, de muita tragédia.
Começando pelo fiasco do Grande Salto Adiante, na qual a produção agrícola foi preterida em favor da produção de aço e ferro. O maior objetivo era ultrapassar a produção inglesa e igualar com a americana, então qualquer tipo de metal era fundido. Para manter essa produção maluca, florestas foram devastadas e o solo se tornou estéril com o passar do tempo, gerando a Grande Fome Chinesa entre 1958 e 1961. O autor relata o espanto das pessoas ao notarem que o número de produção divulgado era altíssimo, recorde atrás de recorde, mas a população continuava passando fome. Se a situação na cidade estava ruim, no campo era ainda pior. Calcula-se que mais de 10 milhões de pessoas morreram nesse período. A parte mais curiosa é que o governo chinês até hoje sustenta que o que ocorreu na verdade foi um enorme DESASTRE NATURAL. Mais curioso ainda é que o tal do desastre cessou assim que o plano do Grande Salto Adiante foi abolido.
Logo em seguida surge Lei Feng, um soldado que morreu acidentalmente, mas que era considerado um cidadão exemplar, altruísta e totalmente devoto a Mao. Seu diário foi vendido como uma história real para a população logo após o fracasso anterior, uma clara fabricação do partido para manter o controle sobre o povo.
Mas a tensão realmente começa em 1966 com a Revolução Cultural, que nada mais era do que apagar a própria história e reescrevê-la. Nessa fase, artes foram destruídas, ruas foram renomeadas, costumes antigos foram desprezados, e até o nome das pessoas foram alterados para algo com mais vigor. Dentro disso surgiram as Assembleias de Autocríticas, em que as pessoas acusavam umas às outras de serem burgueses antirrevolucionários, mas na verdade era a oportunidade de humilharem publicamente aqueles que eles simplesmente não iam com a cara, ou no caso de Li, por ser criança, achava aquilo engraçado sem saber as reais consequências de seus atos. Até acontecer com ele.
Uma das passagens mais absurdas é quando os professores da escola dele passam por essas sessões de autocrítica. São acusados pelas crianças de terem dito que escola era apenas para estudar (!). Obviamente que nenhuma criança gosta de ir para a escola, mas é obvio também que não possuem o discernimento necessário para participar de algo assim. Então beira ao absurdo quando adultos levam em consideração essas acusações. Só que é aquilo, para o governo, quanto menos gente estudando melhor. Tanto que um jovem depois de terminar o estudo básico tinha somente duas opções: ir para o interior “aprender” com camponeses pobres – leia-se ignorantes – ou se juntar ao exército.
Este primeiro volume termina com o anúncio da morte de Mao, e de como isso choca a população. É bizarro acompanhar essa devoção, que em certos momentos não entendemos direito se é medo ou amor. Um de seus amigos tem até um pingente com o rosto de Mao, alfinetado na própria pele, na altura do coração.
Já estava familiarizada com boa parte do que foi exposto nessa HQ, mas é uma daquelas coisas que quanto mais puder ser divulgado, melhor. Triste algo assim ter acontecido, mas seria imperdoável se voltasse a acontecer.