Arsenio Meira 08/08/2013
JORGE LUIS BORGES SOUBE RIR DE SI MESMO...
"Jorge Luis Borges – ensaio autobiográfico" foi lançado há pouco mais de três anos no Brasil, pela cia das letras. O livro é fino, curto e delicioso, na medida para novatos no universo do mais célebre escritor argentino.
Borges o ditou em 1970 para o inglês Norman Thoman Di Giovanni (seu tradutor para a língua inglesa). Norman o convenceu da necessidade de apresentá-lo ao público norte-americano, aproveitando o "gancho" relativo à primeira edição da sua famosa obra "O Aleph e outras histórias", que estava prestes a ser lançada nos Estados Unidos.
O texto serviria como introdução para os leitores incipientes. O problema é que Borges se entusiasmou em mexer nas suas lembranças e o Ensaio… ficou extenso demais. Por essa razão, acabou sendo publicado inicialmente na mítica revista The New Yorker.
Borges não dourou a pílula ao falar de si mesmo. Ao concluir a leitura, restou-me a convicção que ele não se levava muito a sério. O que, aliás, conta muitos pontos a seu favor.
As revelações mais saborosas, de arrancar boas risadas, são aquelas referentes às suas primeiras experiências no ofício de escritor.
Borges conta que um dos seus primeiros livros foi escrito para ser o mais argentino possível, com tantas palavras usadas apenas em determinadas partes do país que ele escrevia usando um dicionário de termos regionais.
Poucas pessoas do seu círculo de amizades e da sua família entenderam o que estava escrito. O pior é que o tal dicionário sumiu e, então, ele mesmo já não era capaz de compreender o próprio livro.
O conto ‘A biblioteca de Babel’, um dos seus textos mais analisados, comentados e destrinchados, não teria os significados ocultos que os críticos fazem questão de apontar.
No Ensaio…, ele explica que as pilhas de livros eram literalmente pilhas de livros que ficavam encostando em seus cotovelos na mesa onde escrevia, no porão da biblioteca em que trabalhava na periferia de Buenos Aires.
Além das revelações pessoais, Borges homenageou amigos e intelectuais que o influenciaram decisivamente, como Adolfo Bioy Casares e Macedonio Fernandez. Este, uma figura quase mitológica pelo pouco que deixou escrito e muito que inovou, mereceu de Borges um perfil repleto de histórias e carinho.
Para ele, “a amizade é a única paixão que redime os argentinos”. Borges era um sujeito extremamente culto, a ponto de falar com intimidade sobre temas que iam desde a poesia germânica medieval aos místicos persas, de Cervantes às sagas islandesas.
Não faltaram tempo e oportunidade para que ele conhecesse e estudasse tudo isso. Seu primeiro emprego foi aos 38 anos. Antes, era um tal de " deitado eternamente me berço esplêndido", pois morava com a mãe e a família o sustentava.
Mesmo assim, cumpre fazer aqui uma justiça. O homem suava: a cada dois meses, escrevia “um par de páginas sobre livros e autores estrangeiros”...
Adolescente, percorreu com os pais e os irmãos vários países da Europa, morando na Suíça e Espanha. Por conta disso, aprendeu francês, inglês e um pouco de alemão. Borges tinha a faca e o queijo na mão. Felizmente soube usá-los muito bem.
O Ensaio precisou ser ditado porque, naquela altura, aos 71 anos, já estava praticamente cego, maldição que herdou do avô e do pai.
É evidente que ele trata do assunto, mas não valoriza muito nem faz dramas, apesar de ter o ofício de ler e escrever. A cegueira é abordada como mais um problema cotidiano, desses que podem acontecer com qualquer pessoa em qualquer lugar.
Encerrada a leitura percebi que preciso arrumar tempo para seus contos, um gênero literário pelo qual ele nutria genuína devoção.
Dizem que foi um dos grandes contistas da literatura universal.
Dele, li apenas boa parte de sua consistente produção poética. Ao fim e ao cabo deste "ENSAIO AUTOBIOGRÁFICO", simpatizei com o carismático escritor. Preciso conhecer a obra de Jorge Luis Borges.
O mesmo sentimento deve ter percorrido a sensibilidade dos leitores nos Estados Unidos há 40 anos.