Analuz 23/09/2021
"Temporada dos Ossos" é um livro de sucesso considerável lá fora, embora o mesmo não tenha acontecido no Brasil. Publicado em 2016 pela Rocco, o título caiu no esquecimento nas terras tupiniquins. Claro que o pouco investimento em marketing contribuiu para o fracasso comercial (até porque a editora só se importa com Harry Potter), mas devo dizer que a história por si só não ajuda em nada, nem que fosse pra contribuir na divulgação boca-a-boca!
Com um misto de fantasia e distopia, Samantha Shannon apresenta o seu universo da maneira mais confusa possível, confiando que seu leitor será esperto o suficiente para preencher as lacunas inseridas, as quais ela sequer se esforça para completar ao nos introduzir à obra. Tudo gira em torno do conceito de éter, uma espécie de plano que separa o mundo dos vivos e o dos mortos. Porém, em algum do momento, teria havido uma ruptura neste, trazendo criaturas para nosso mundo, as quais se tornaram responsáveis por cuidar da fenda para evitar a passagem de outros indivíduos.
Contudo, apesar do que pode parecer, estes seres estranhos (e, novamente, mal explicados) não são bonzinhos e exigem, como pagamento do governo por seus serviços, o fornecimento de clarividentes, com a finalidade de escravizá-los. Assim, estas criaturas formam a opressora sociedade de Sheol, no lugar que um dia teria correspondido à cidade de Oxford. E é aqui que o título do livro se explica, pois, para suprir a demanda deste exótico grupo, é realizado um evento decenal denominado "Temporada dos Ossos", no qual são capturadas e enviadas para Sheol pessoas com diversos tipos de habilidades paranormais.
Neste contexto, somos apresentados a Paige, uma clarividente irlandesa (aliás, o próprio conceito de clarividência é confuso no livro). Nascida em 2040, ela tenta se misturar na sociedade inglesa futurista, buscando passar despercebida, tal qual uma pessoa "normal". A explicação para o disfarce se dá na perseguição, realizada há séculos, de qualquer um que demonstre algum tipo de habilidade extraordinária (a linha temporal exposta na história demonstra que o livro aborda uma espécie de realidade paralela à nossa, apresentando nosso próprio universo, mas com uma linha acontecimentos diferentes). E, da feita que estas pessoas com dons foram descobertas, precisaram se disfarçar para sobreviver, tal qual Paige aprendeu a fazer desde cedo.
Porém, a garota vive uma vida dupla: apesar de manter distância e de esconder do pai sua paranormalidade, encontra no submundo do crime (que também é bastante confuso) uma grande possibilidade de aplicar seus dons e ganhar recompensas por isso. Assim, a garota vive na ilegalidade e se associa a uma gangue, sendo uma bem-sucedida concubina e protegida por um mime-lorde, dado o seu grande poder para invadir mentes.
Passada a apresentação bastante econômica que a autora fornece, o enredo começa a ganhar ritmo quando Paige é capturada e levada para Sheol para ser escravizada pelas estranhas criaturas que lá habitam. Assim, a garota é designada para ficar sob o comando e treinamento do consorte de sangue da maior comandante do local, um rapaz (ou seja lá o que esse indivíduo é) que nunca teria pego um clarividente para si em qualquer Temporada dos Ossos anterior.
E é óbvio que, como qualquer mocinha de fantasia, Paige se opõe a este sistema e busca diversas formas de escapar. E é justamente aí que a história se desenrola...
Em minha opinião, este livro tem um universo com bastante potencial, tanto que, depois da metade, a história flui com mais naturalidade. A explicação para isso pode ser porque a gente simplesmente se acostuma com a escrita ou porque é a partir daí que as coisas vão se conectando melhor... mas o fato é que, mesmo com os seus MUITOS defeitos, o enredo chega a entreter.
Ainda assim, fica aqui a reclamação pela economia de explicações com que Samantha Shannon expõe o próprio universo que criou. Um mapa e uma quantidade desnecessária de fluxogramas para citar os tipos de paranormalidade não ajudam em nada se mal se conectam com a história, e foi justamente esta introdução mal desenvolvida que me fez abandonar o livro em uma primeira leitura. Contudo, fico feliz que dei uma segunda chance e conheci melhor o mundo concebido pela autora. Mas, ainda assim, não pretendo ler a continuação. Pelo menos não tão cedo...
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