Francielly Oliveira 23/04/2024
Uma obra de arte literária
Hoje, 23 de abril, mais de um mês após a leitura de Uma Vida Pequena, escrevo esta resenha. A demora em colocar meus pensamentos sobre essa leitura em palavras é algo que ainda não compreendo completamente. Talvez tenha sido porque uma parte egoísta minha relutava em abandonar o livro de vez (não sei se serei capaz de relê-lo tão cedo, talvez nunca mais, não porque a história não tenha me agradado ou me ferido de alguma forma, muito pelo contrário).
Ou pode ser que eu não tenha me sentido pronta ou madura o suficiente para escrever um comentário sobre este livro. Como se eu não fosse merecedora de formar opiniões sobre as páginas que li. Quem sou eu para dizer algo? (tampouco me sinto mais madura um mês após a leitura).
Seja qual for o motivo que finalmente me deu coragem para escrever minha experiência com esse livro, neste momento estou revisitando em minha memória como que em uma despedida da carga emocional e mental que foi acompanhar 998 páginas de Jude. E não só de Jude, mas também de Willem, JB, Malcolm e todos os outros personagens que, de secundários não possuem nada.
Com uma escrita lenta, mas gradual e de impacto, Hanya escreve com audácia. Há tanto sobre o que eu gostaria de entrar em detalhes, mas antes de tudo, quero me ater ao geral. Uma Vida Pequena é um livro grande, com tantas narrativas dentro de uma só, que é impossível resumi-lo em poucas linhas. Gosto de como, mesmo com tantos personagens, a autora conseguiu dividi-los em partes bem construídas, mesmo com a mudança temporal entre passado e presente, que não confundem o leitor, mas o mantêm ali, empático pela dor, pela amizade, pela fraternidade, pela solidão ou mesmo pela solidariedade a Jude, mas também aos outros personagens. Que são cativantes na mesma proporção em que são desagradáveis. E eu digo desagradáveis porque Hanya constrói uma relação ardilosa entre o leitor e os personagens. Você se torna vigilante por eles, sente raiva por seus erros, comemora seus sucessos, você torce por sua melhora e felicidade, como um amigo.
?Você pode não entender agora, mas um dia entenderá: o único segredo da amizade, acredito eu, é encontrar pessoas melhores que você, não mais inteligentes, não mais bacanas, mas sim mais bondosas, mais generosas e mais piedosas, e tentar dar ouvidos a elas quando dizem algo sobre você, não importa o quanto seja ruim, ou bom, e confiar nelas, o que é a coisa mais difícil. Mas também a melhor? (p. 248).
E você acompanha a evolução emocional, financeira e profissional dessas pessoas, se comove e se enfurece por elas.
Talvez seja por isso que tantas pessoas se emocionam ao final do livro, no meio dele ou durante toda a leitura.
Em alguns momentos me senti meio anestesiada pelo horror do passado de Jude, não porque tenha sido banalizado, mas por ser algo traumático demais. A autora optou por oferecer não migalhas, mas pedaços da história ao leitor, o que de certa forma, também acompanha o gradual mental de Jude. Ela não entrega de uma vez o passado horrível do personagem, mas o mastiga para você, pois assim como Jude, você também não está ou talvez nunca esteja, pronto para o que vem a seguir. A estabilidade mental de Jude não é algo que possa sequer ser considerado estável, então nada mais justo que sua história não seja derramada de uma vez. Mas isso também te amortece para o que vai sendo entregue, você (leitor) cria suposições e mais ideias sobre o mistério que cerca o passado de Jude.
Ao longo da leitura, refleti sobre a complexidade das relações humanas, dos sentimentos e, por exemplo, das ações de JB. Em alguns desses cenários, eu pensava ?o homem quando não possui sofrimentos, busca?. Mas me peguei ao decorrer da leitura pensando que também não é tão simples assim. Por mais que alguns problemas pareçam "menores" em comparação com outros, eles também são importantes e merecem ser valorizados e acolhidos.
PORÉM isso não me impediu de ficar ressentida com o JB, mas como disse anteriormente, faz parte, já que também somos amigos.
?Amizade era testemunhar o lento gotejo de tristezas, as longas crises de tédio e os triunfos ocasionais do outro. Estou com raiva de JB, mas ao mesmo tempo com pena. O que também é confuso? (p. 677).
Uma Vida Pequena é um livro triste, trágico, comovente, desafiador e inegavelmente uma obra de arte literária. É preciso paciência e talvez um pouco de estabilidade emocional para embarcar nessa leitura. Por isso, indico apenas para aqueles que estão prontos para testarem enxergar o mundo com lentes mais cruéis do que o normal.