fernandaugusta 23/04/2024Uma vida pequena - @sabe.aquele.livroAntes de mais nada, é preciso dizer que se você está em um momento de fragilidade psicológica, emocional ou mesmo física, não leia este livro. A obra de Hanya Yanagihara é toda composta de gatilhos, entre eles violência sexual, suicídio, automutilação.
"Uma vida pequena" começa delineando o perfil de quatro amigos. JB é artista, pintor, descendente de haitianos, gay, de uma personalidade exuberante e um tanto narcisista. Criado pela mãe, avó e tias, sempre esteve acostumado a ser mimado e ter todas as suas vontades feitas. Malcolm vem de uma família rica, mas se ressente de ainda morar com o pai e a mãe. É arquiteto, e está trabalhando em uma firma famosa, na qual não precisa de inspiração nenhuma. Willem tem ascendência nórdica, seus pais vieram para os EUA para trabalhar em uma fazenda, e sempre foram frios e distantes. Sua juventude foi marcada pela perda de um irmão que tinha paralisia cerebral, e quando saiu de casa, decidiu que seria ator, mas ainda não conseguiu se destacar.
E por fim, temos Jude St. Francis. Jude não revelou nunca nada de seu passado para ninguém. Tem um problema nas pernas que o faz mancar, mas também nunca se abriu sobre o assunto. É inteligentíssimo, e está na faculdade de Direito. Sua reserva e seu jeito esquisito o fazem talvez o que menos chame a atenção entre os quatro amigos, mas a autora aos poucos transfere o protagonismo de "uma Vida Pequena" para Jude, e o livro vai revelando sua personalidade, desde uma infância de abondono vivida em um mosteiro, até sua fuga e tudo o que aconteceu depois.
Não é revelar muito do enredo dizer que Jude passou por situações horríveis desde muito pequeno e que isto se traduziu em uma personalidade perturbada pelo passado, que só desejava ser normal, mas que se via como uma criatura suja e não merecedora de afeto e amor.
Ao longo de suas muitas páginas (eu li em e-book, mas o livro físico é enorme) vemos vários narradores versando sobre os mais diversos acontecimentos, sendo que o próprio Jude e Willem vão assumindo a dianteira como narradores principais. A narração de Jude é extremamente perturbadora, pois o leitor encara em primeira pessoa todo o seu sofrimento físico com dores excruciantes, e também sua dor emocional, o trauma que nunca foi capaz de revelar, e acaba lhe corroendo por dentro, levando-o cada vez mais para a autodestruição.
Não bastasse isto, também somos colocados no lugar daqueles que amam Jude: seus amigos, o médico Andy, Harold e Julia e que sofrem por vê-lo em situações cada vez mais perigosas, mas também por não conseguir fazê-lo acreditar que é uma pessoa digna de felicidade.
"Uma vida pequena" é longo em suas reflexões, mas tem uma escrita extremamente agradável. Não se iluda, não há final feliz nesta história, mas as voltas que a vida dá, saindo e finalmente voltando a um pequeno apartamento na Lispenard Street, em Nova York são suficientes para deixar o leitor com raiva, frustrado, em sofrimento pela tremenda injustiça da vida, emocionado pela dor vivida e pelos momentos de refresco em que é iludido, achando que tudo vai ficar bem.
É uma leitura que desperta a curiosidade no que vai acontecer, mas que precisa de inúmeras pausas para fôlego. Apesar de ter gostado, não sei se o releria. A certeza que tive é que não é uma leitura que deve ser panfletada. A pessoa que se arriscar neste livro tem que estar ciente de que se trata de algo marcante, perturbador e muito, muito triste.