spoiler visualizarAna Ruppenthal 30/09/2017
Teoria da dependência latino-americana
Uma resenha que tive que fazer para a graduação:
A obra, de um modo geral, se propõe a esboçar uma análise que concilie uma perspectiva tanto econômico quanto sociológica da realidade latino-americana observada a partir do desenvolvimento econômico como engendrador do desenvolvimento social e político, em contraposição com as análises econômicas e sociais clássicas que visavam dar à America Latina uma visão de realidade atrasada e dependente.
Tal análise pretende ser diferenciada na medida em que busca se afastar dos conceitos estipulados no cenário intelectual anterior ao período de criação da CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina, e mesmo durante o estabelecimento da mesma. Para tanto, questiona e critica, logo no capítulo introdutório, proposições da economia clássica, tais como “tradicional” e “moderno”, uma vez que tais conceitos não seriam amplos o bastante para abranger de forma precisa todas as situações sociais existentes, nem permitiriam distinguir entre elas os componentes estruturais das sociedades analisadas e mostrar as condições de seu funcionamento e permanência. Ainda, propõem os autores a revisar os conceitos de dependência e desenvolvimento, partindo do pressuposto que tais conceitos considerariam mais a predominância dos mercados externos sobre os internos, simplesmente desconsiderando aspectos sociais e históricos relevantes. Nesses termos, analisa-se o subdesenvolvimento nacional, afirmando-se que este supõe uma subordinação ao exterior e reorientação do comportamento social, político e econômico em função dos “interesses nacionais”. A dependência seria uma relação entre classes e grupos que implica uma situação de domínio vinculado economicamente com o exterior.
Assim, no capítulo seguinte, os autores analisam a evolução dos termos e deixam claro que não é razoável se supor que os países em desenvolvimento estariam repetindo a história dos países desenvolvidos, uma vez que as condições históricas em que se deram um e outro são completamente diferentes.
Os rompimentos dos pactos coloniais e a primeira expansão do capitalismo industrial europeu são as características históricas dominantes no período de formação das nações novas no século XIX. A partir da independência as nações recém formadas apresentam-se reflexas e autóctones. A vinculação das economias periféricas ao processo capitalista implicaria em uma integração com estrutura social e econômica que procede da situação anterior. A base física da economia influiria sobre a forma e as consequências de vinculação ao mercado mundial posterior ao período de formação nacional.
Na fase inicial desse processo, os grupos industriais apareciam em alguma medida numa situação marginal. É o único grupo que possui uma base econômica real e situa-se em posição estratégica que lhe permite estabelecer os termos de aliança e isso explica sua importância no período posterior à crise. Assim, as perspectivas integradas para a análise econômica do desenvolvimento colocaria em cheque as concepções usuais de desenvolvimento.
No capítulo terceiro, passam os autores a analisar as condições de desenvolvimento e de consolidação dos Estados nacionais, contestando termos weberianos como “ordem legítima” e “associação de interesses”, evidenciando que é necessário superar a idéia de que o sistema produtivo pode assegurar por si mesmo a transformação de poder dando lugar a democratização das estruturas sociais, pois as formas assumidas pelas relações entre o sistema econômico e o sistema de poder deram origem a diferentes possibilidades de desenvolvimento.
A formação das nações latino-americanas fez-se possível através de grupos sociais locais, elites concebidas como os grupos exportadores exercendo papel vital de ligação entre economia central e os setores agropecuários “tradicionais”. No início do século XX o êxito do setor exportador permitiu em alguns países da América Latina que fossem agregados à economia nacional novos setores, o que propiciou às classes médias a reforma na ordem política atitude que permitia a eclosão das divergências entre os grupos dominantes.
No capítulo quarto, os autores passam a analisar as transições que cada país latino-americano enfrentou, observando cada caso em concreto mas ainda observando tendências globais e pontos em comum, fazendo uma diferenciação entre países com produção controlada nacionalmente e países com economia em situação de enclave.
No capítulo quinto, analisam os processos históricos como determinantes nas formações sociais e econômicas, analisando as políticas de consolidação do mercado interno e da industrialização.
As novas bases de desenvolvimento suporiam alterações na divisão social do trabalho, transformando o espaço físico e se refletindo no aspecto social formando sociedades urbanas de massa, reflexos de uma sociedade insuficientemente industrializada. Assim, surgem políticas de industrialização substitutiva que alterariam o papel do Estado, transformado no gestor do mercado que arrecadaria tarifas e estruturaria as bases para a industrialização efetiva. Essa industrialização, inobstante, foi o resultado de alianças constantes entre os diversos setores expressivos da sociedade.
Os autores frisam a predominância, nesse período, de dois tipos de orientação política do momento: orientação para participação, originando uma tendência ao “distributivismo” social e econômico, e outra manifestando os interesses dos novos setores dominantes, orientados agora para o mercado interno como continuação da dominação (o que seria compreendido como nacionalismo – “populismo desenvolvimentista”). Cardoso e Faletto não deixam de ressaltar, a despeito de um quadro geral de populismo latinoamericano, que em cada país tal situação se deu em condições diversas, ainda que algumas experiências apresentassem certas semelhanças, passando a uma análise dos diferentes fatores que atuaram, em conjunto ou em contradição – como as tendências liberais e conservadores – em específico no Brasil e na Argentina.
No capítulo sexto, questiona-se o relativo progresso apresentado até então por alguns países latino-americanos, passando-se a uma crítica do populismo, que entra em crise, e das relações dos setores dominantes entre si e destes com as massas. Nota-se um esforço para ordenar o sistema político e social sobre as novas bases que expressem a vinculação entre o setor produtivo orientado para o mercado interno e as economias externas dominantes. Nesse duplo movimento se evidencia a crise do sistema de dominação e as transferências das relações entre a economia interna e os centros hegemônicos de mercado. Tais transformações se manifestam mediante uma reorientação no contraste dos interesses internos e na redefinição da vinculação centro-periferia.
Assim, mais uma vez os autores passam a analisar como os efeitos desse processo se deu em cada caso na América Latina, esmiuçando os casos da Argentina, do Brasil e do México, considerando os limites do desenvolvimento inerentes às próprias estruturas estatais em jogo – sejam os obstáculos para a tentativa de industrialização, sejam as questões sociais em jogo. Tendo fracassado os objetivos de se manter a industrialização interna sem alterações sociais e políticas, foram abertos os mercados nacionais, novamente, ao controle externo. A penetração dos capitais estrangeiros de fato estimulam a industrialização, mas, por outro lado, reduzem a indústria nacional à iniciativa desses capitais, ainda quando aliados a setores nacionais.
Por fim os autores destacam as forças sociais que se manifestaram nesse processo. A nova forma de indústria requeria um novo padrão de consumidor – mesmo nos países que permaneceram em dificuldades para se industrializar – o que obrigava a contenção das reivindicações das massas. O desenvolvimento a partir de então ocorre intensificando a exclusão social. Quaisquer possibilidades de participação das massas dependem do grau de desenvolvimento do setor público da economia.
Em sede de considerações finais, os autores retomam à idéia central da obra e propõem reflexões e indicações a trabalhos futuros, ressaltando que o objeto da obra seria “reconsiderar os problemas do ‘desenvolvimento econômico’” com uma interpretação que partiria da observação da política como determinante nos fenômenos econômicos aliadas às situações históricas que lhes dariam origem. Reiteram as críticas aos conceitos econômicos clássicos e se propõem a verificar a extensão da teoria da dependência, ainda sob a ótica da interpretação proposta. Por fim, ressaltam que não tem a pretensão de fazer uma previsão a tendências futuras, afirmando que essas dependem da ação coletiva “motivada por vontades políticas que tornem factível o que estruturalmente é apenas possível”.