Francine 19/08/2016Ah, caro leitor, em meio ao chilreio incessante dos insetos, nesse Bairro certamente não ouviriam seus gritos!Não é segredo para ninguém que sou fã do autor M. R. Terci. Seu talento narrativo se destaca em qualidade, criatividade e ousadia, além de elevar o nível do horror nacional ao relacionar ficção e pesquisa histórica.
Imaginem como me senti ao concluir a leitura de As Exéquias, o terceiro volume da série O Bairro da Cripta e, mais uma vez, adicionar algo de M. R. Terci entre meus favoritos! Esta foi uma das melhores antologias que já li na vida, surpreendente e envolvente em níveis extremos.
Aos que não sabem, O Bairro da Cripta é uma série de gênero horror. Cada volume desta série apresenta contos ambientados no século XIX e primeira metade do século XX, contextualizados na cidade fictícia de Tebraria, no interior paulista. Com vocabulário de ímpar qualidade, o autor dá vida ao sobrenatural sem qualquer clichê. O mais especial? Os contos apresentam personagens que ora são protagonistas, ora são coadjuvantes, de modo que podemos revê-los entre uma antologia e outra.
O primeiro conto, O Templo do Inseto, faz tremer até o coração mais valente. Nele conhecemos Calídice... Calídice de lábios doces e pele macia, Calídice de sussurros suaves e olhar ousado, Calídice das promessas sombrias.
"Que me importam os agouros noturnos? Junto a ela, eu seria capaz de caminhar pelo braseiro do inferno."
Pobre protagonista. Até mesmo o amor pode ser macabro n'O Bairro da Cripta.
Depois de arrebatada pela leitura, já não consegui parar. Mais uma vez caminhei pelas ruelas trevosas d'O Bairro da Cripta, atenta até mesmo à minha própria sombra (afinal, uma vez que escolhemos passear por esses contos, vemos quão próximo o sobrenatural habita).
Ah, caro leitor, em meio ao chilreio incessante dos insetos, nesse Bairro certamente não ouviriam seus gritos! Caminhe depressa, olhe para os lados e nunca, jamais, seja ingênuo em acreditar que poderia pedir ajuda a alguém desconhecido. Não são apenas as trevas que guardam a maldade, o próprio homem é capaz de lhe dar uma face. O segundo conto da antologia, intitulado O Fruto, é um exemplo claro disso. Quebrou meu coração de tal jeito... que pensei não haver conserto.
Então, o terceiro conto me trouxe um pouco de conforto. Coisa estranha de se dizer sobre leprosos que escondem mistérios além da nossa compreensão. O Leprosário me fez perceber que cada pessoa aprende a aguentar seu próprio fardo. Adapta-se, ajusta-se, e por vezes precisa abandonar sua humanidade para isso.
"Tebraria sequer sonhou quem era Sabujo. Para saber dele, seria necessário deduzir que seus mortos não jazem debaixo da terra do centenário cemitério, onde a eternidade marca de pó o escuro dos nomes. Os mortos não estavam lá, acoitados sob uma mortalha de relva. Estavam sob sua pele."
É difícil eleger favoritos entre tantos excelentes contos, mas meu coração é traiçoeiro e reservou um espaço especial para dois deles:
"Tinha uns olhos da cor da tempestade" apresenta Dezidério, um velho que – por onde passa – provoca comentários entre as pessoas. Isso porque há algo muito estranho com sua sombra... Ela parece ter vida própria, movendo-se sem coerência, esticando-se quando deveria estar pequena.
Este conto é TÃO BOM que você também pode encontrá-lo em uma publicação individual na Amazon. Vale a pena lê-lo para ter uma amostra do talento do autor M. R. Terci e de As Exéquias.
"Túnel para perdição", meu segundo conto top-favorito desta antologia, ecoou em meus pensamentos durante vários dias. Nele acompanhamos o desespero de um carteiro que está voltando para casa através do Túnel Descendente 66 e acaba de sofrer um bizarro acidente de carro. O que acontece com o protagonista é digno de um curta-metragem!
"Está ficando frio.
Mais frio. Está ficando frio e escuro.
É sempre frio no Bairro da Cripta. Sempre escuro."
Vale a pena acompanhar a série e ter a chance de melhor conhecer o passado, presente e destino de cada personagem. Entre as antologias, temos a chance de nos aprofundar nas suas personalidades distorcidas, cruéis e/ou solitárias. Cada palavra, cada linha, penejada pelo autor é como o um refinado tempero que dá ao alimento um sabor sem igual. Ao fim, o paladar é atingido por uma bombástica mistura, perfeitamente equilibrada, que nos faz reconhecer: M. R. Terci é um chef da mais alta patente.
As Exéquias é uma antologia que recomendo a qualquer leitor que aprecia o gênero horror! A capa está maravilhosa (para mim, representa o conto O Leprosário) e a edição primorosa (conta com notas de rodapé ilustradas em anexo)! Vale cada centavo e cada minuto de investimento.
Resenha publicada no blog My Queen Side:
site:
http://www.myqueenside.com.br/2016/08/resenha-149-as-exequias-o-bairro-da.html