Marcelo Caniato 29/01/2018
Ótimo primeiro contato com o universo de Asimov
Primeiro romance que eu leio do Asimov. Decidi começar por esse por ter sido o primeiro publicado por ele, e foi uma boa escolha. Publicado em 1950, o livro conta a estória de um homem que sai um belo dia de casa e no meio de sua caminhada é transportado para um futuro distante, no qual a Terra é uma mera figurante da vida na galáxia, sendo um planeta desprezado pelo Império Galáctico (o mesmo Império da trilogia Fundação).
É impressionante como os temas tratados pelo autor ainda são extremamente atuais. No livro, os terráqueos são vítimas de preconceito pelos cidadãos da galáxia. São considerados inferiores, mal educados, perigosos, doentes pelo excesso de radioatividade, e, mesmo embora muitos desses preconceitos sejam infundados, a humanidade que vive fora da Terra não está muito preocupada com a fundamentação dos seus argumentos. Todas as falas e discussões sobre preconceito, se retiradas do contexto do livro, se encaixam perfeitamente nas discussões que a gente vê todos os dias nas redes sociais.
"- Além disso, o senhor vai dizer que somos diferentes. Não somos seres humanos porque sofremos mutação mais rapidamente devido à radiação atômica e, portanto, mudamos em muitos sentidos... Isso tampouco foi provado.
- Mas acredita-se nisso.
- Enquanto se acreditar nisso, procurador, e enquanto nós da Terra formos tratados como párias, vocês encontrarão em nós as características às quais se opõem. Se nos pressionam além do que é tolerável, não é de estranhar que pressionemos de volta? Odiando-nos como nos odeiam, será que vocês podem reclamar que nós, a nosso turno, os odiemos também? Não, não, nós somos os ofendidos, e não os ofensores."
Um dos interessados em provar a humanidade dos terráqueos é o arqueólogo Bel Arvardan. Ele decide viajar à Terra para provar sua teoria de que a humanidade se originou há milhares de anos na Terra. Tanto tempo se passou desde então, e a humanidade se expandiu tanto pelo espaço, que sua origem foi esquecida e somente os terráqueos acreditam nisso. O consenso no meio científico é o de que a humanidade se desenvolveu independentemente em diversos globos e aos poucos se conectou através do Império. Mesmo essa teoria tendo bases não muito sólidas, não há um interesse em provar que os terráqueos possam de fato estar certos.
Ainda sobre o tema do preconceito, é interessante também a posição de Arvardan. Mesmo ele, sendo um defensor dos terráqueos, se vê a todo momento em conflito, tentando negar seu preconceito intrínseco a todo custo. Tem uma cena no avião que chega a ser engraçada, em que ele tenta provar a si mesmo que não é preconceituoso. É quase um "eu não sou
preconceituoso, tenho até amigos terráqueos" rsrsrs. A cena mostra bem o esforço que é necessário para desconstruir um preconceito e como é difícil impedir que ele brote em uma sociedade fortemente intolerante.
"Contudo, não dava para negar que sempre teria consciência do fato de que um terráqueo é um terráqueo. Ele não podia evitar. Esse era o resultado de uma infância imersa em uma atmosfera de intolerância tão completa que era quase invisível, tão absoluta que seus axiomas eram aceitos como uma segunda natureza."
Fora isso, há também a preocupação com o uso bélico de invenções científicas e com a questão nuclear, natural da época em que Asimov escreveu o livro. O autor também aborda a questão da velhice, que é, digamos, "proibida" na Terra do futuro. O Sexagésimo é um costume local que força a eutanásia nos indivíduos que atingem 60 anos. O Sexagésimo pode ainda ser antecipado caso a pessoa não consiga mais ser produtiva. A vida sem produtividade não tem valor para a população local, uma realidade assustadora para Schwartz, que estava entrando feliz na casa dos 60, aposentado, e sempre repetia para si os versos de Robert Browning:
"Envelheçamos agora
O melhor não demora
Para o fim da vida se fez o início..."
Mesmo se desconsiderarmos as questões sociais, a trama ainda assim é muito interessante e o livro consegue te prender com facilidade. Há algumas reviravoltas e os diálogos são excelentes. Como pontos negativos, elencaria só 2 (LEVES SPOILERS): o romancezinho entre Arvardan e Pola me pareceu meio bobo e desnecessário, e o final que, apesar de ter gostado, achei que poderia ter sido melhor. Fiquei pensando que se o livro terminasse no penúltimo capítulo, com um final aberto após a argumentação de Balkis, seria mais intrigante.