Resenhas - Em Briga de Marido e Mulher Ninguém Mete A Colher?

Paulo Silas 16/07/2020

Resultado do trabalho de conclusão de curso da autora, que foi publicado anos depois quando já atuante na Defensoria Pública do estado do Maranhão, o livro aborda com o esmero devido a questão da violência de gênero no Brasil, evidenciando as raízes nas quais estão ancoradas as problemáticas tantas que permeiam a questão. A abordagem é ampla, permeando um caminho próprio para uma compreensão mais holística do tema, pois não aposta numa diretriz única como resposta possível. Antes, leva em conta diferentes perspectivas possíveis e necessárias para propor assim uma visão e proposta críticas sobre a questão da violência doméstica e familiar contra a mulher.

A autora abre a obra trazendo a perspectiva teórica da criminologia crítica e feminista, elencando num primeiro momento a questão feminina a partir da ciência e do direito, quando após discorrer sobre a construção social como categorização de gênero, traz o feminismo em algumas de suas correntes - até chegar na proposta da criminologia feminista. Em seguida, com aportes teóricos sólidos que presentes estão também em todo o livro, evidencia a contradição existente entre o discurso legitimador do sistema penal e a realidade da coisa. É a partir disso que é realizada a análise do discurso presente nas políticas criminais brasileiras sobre violência doméstica, não sem antes a autora especificar a metodologia utilizada para tanto (qualitativa e não quantitativa), pois o discurso que é produzido pela ciência é a materialização da ideologia. Daí que os discursos contidos explícita e implicitamente na Lei Maria da Penha são analisados, resultando numa conclusão no sentido de que o punitivismo como resposta não deveria ser o enfoque da questão.

Com o provocativo título que se dá em forma de pergunta retórica, tem-se uma obra crítica e instigante que vai até o âmago da questão para evidenciar problemas que muitas vezes são mantidos sob os escombros de uma prática punitiva como panaceia dos males outros existentes. Como muito bem afirma a autora em sua conclusão, "ao buscar solucionar os conflitos relativos à questão de gênero através do sistema penal, ignorando as contribuições da criminologia crítica e feminista, o movimento feminista acaba por encontrar-se num movimento circular, imerso na reprodução da mesma matriz patriarcal em que baseia sua crítica". É uma crítica, portanto, à sempre aposta no Direito Penal - este evidentemente falho em suas pretensões. Uma obra de peso, mesmo considerando suas poucas páginas, que deve ser lida e refletida para a devida discussão sobre o problema da violência doméstica.