Joao.Trevisan 17/04/2023
As propostas de Machado de Assis e Fernando Pessoa para uma adaptação de O Corvo
Não é à toa que a adaptação de O Corvo por Fernando Pessoa seja tida como superior ao proposto por Machado. Não que este fosse ruim, apenas tratou de uma forma diferente do original, alterando inclusive sua estrutura.
Allan Poe compôs em dezoito estrofes de seis versos e foi seguido por Pessoa, enquanto Machado de Assis alterou esse formato mantendo as dezoito estrofes, mas com os versos que a compõem passando para dez, fazendo dessa uma das mais drásticas diferenças entre as duas adaptações propostas. Essa troca não apenas alterou tanto o ritmo, como também a atmosfera do original em inglês, já que as rimas foram reposicionadas e a que se dava nos três últimos versos (5, 6 e 7 do original), agora se encontra em um esquema de rimas em que se combinam os versos 7-9 e 8-10 de cada estrofe, isso possibilitou que o nome da amada fosse citado, como no original.
A adaptação de Fernando Pessoa, por outro lado, segue o mesmo esquema de rimas de Poe, que concede o também o ritmo da obra original, ainda que acabe gerando para o poeta português um desafio com o nome da amada, uma vez que o último verso de cada estrofe, devendo obrigatoriamente finalizar com “mais”, impossibilitava a rima com Lenore (ou Lenora). A perfeição dessa adaptação se dá justamente nesse ponto pois, ao omitir o nome da amada, o tradutor concorda inclusive com o poeta original, que diz “(...) radiant maiden whom the angels name Lenore -/Nameless here for evermore.” (p.354), em tradução livre “radiante dama a quem os anjos nomeiam Lenore -/Sem nome aqui para sempre.”, ou seja, os seres terrenos nunca souberam o nome, apenas os celestiais, como escreveu Pessoa ao adaptar o trecho com “Essa cujo nome sabem as hostes celestiais/Mas sem nome aqui jamais” (p.366). Na estrofe 16 do original, há mais uma vez a palavra “angel”, que na adaptação é tratada novamente como “hoste celestial”; da mesma forma Fernando Pessoa se aproveita e transforma o nome da amada nas estrofes 5 e 14 em verbalização das dores do narrador deste poema, “meus ais” escreve Pessoa, querendo que o narrador diga “as minhas dores, as dores que essa amada até hoje me traz”, e é muito interessante a maneira como ele coloca essas dores no local onde estaria o nome dessa amada, como um espelhamento entre o original e a versão. Esse nome que nós -terrenos- nem lembramos mais.
O animal corvo possui papel na mitologia grega, e Edgar Allan Poe escreve sobre isso. O corvo era considerado um animal do deus Apolo, e possuía função de mensageiro dos deuses e por consequência era visto como um animal profético além de mau agouro e más notícias. No texto isso fica claro pois espera-se, por parte do narrador, que o Corvo diga algo que lhe espera, e textualmente o animal é chamado tanto de “prophet” (profeta) quanto de “ominous bird of yore” (agourenta ave de outrora), ambos em tradução livre. Além disso, sendo um animal de Apolo, este pousa em algo que lhe é familiar, o busto de Atenas, nome usado no poema original e mantido na tradução para o português europeu. Na ocasião da versão brasileira, de Machado de Assis, foi preferido o uso do nome Palas para referir-se a ela, e o que pode ter sido uma decisão métrica acabou virando apenas mais uma referência não tão explicita nesse poema que há mais de 170 anos vem gerando debates não apenas com referência no original, como nas diversas traduções que recebeu ao longo desse tempo.