livrosepixels 09/08/2018Porque você perdeu sua fé?Dana Scully se tornou uma das personagens mais intrigantes de toda a série, não apenas por ser uma das protagonistas, mas principalmente por buscar o viés científico dos eventos que presenciava e questionar o que o senso comum dizia ser verdade. Sem ela, eu duvido que a série teria tanta repercussão quanto teve, até porque na época em que foi ao ar (1993-2002), os assuntos paranormal e alienígenas não eram vistos com bons olhos, que dirá com senso de credibilidade.
Uma reflexão me surgiu enquanto lia esse livro. O que é mais fácil: alguém que não acredita começar a crer, ou alguém que acredita deixar de crer em algo? A resposta depende. Depende dos fatores envolvidos, das condições emocionais e das circunstâncias onde a sementinha da dúvida começa a brotar. O que o autor propôs com essa narrativa foi justamente levar a fé ao limite, encontrar o seu ponto fraco, e possivelmente, sua ruptura.
“As pessoas rezam para os anjos como se eles existissem apenas para ajudá-las a sobreviver a um dia ruim. Elas rezam para os anjos como se eles fossem santos, mas os santos, pelo menos, eram gente. Os anjos nunca foram.”
A história proposta foi uma grande caminhada de descobrimento pessoal para a personagem, e também para eu, leitor. Era intrigante o fato de Scully, na série ser cética, questionar a fé, mas sempre carregar uma correntinha com crucifixo. Não seria apenas simbolismo, seu ceticismo e sua fé sempre estiveram interligadas, e sua personalidade foi moldada na sua adolescência. Naquela época a protagonista já questionava algumas coisas que a sua crença não conseguia explicar. Mas era perfeitamente normal. Afinal, a adolescência é a fase da descoberta, da curiosidade, da busca pela resposta de tudo.
A personagem também foi bem desenvolvida pelo autor. Com seus 15 anos, ela parece muito adulta. Não a vemos tendo crises e birras desnecessárias, nem questionando se os garotos olham para ela ou não. Pelo contrário, a personagem está em um intenso conflito interno para entender o que sente, o que pensa, o que é. Por fora um garota quieta, estudiosa e inteligente. Por dentro alguém que estava beirando a loucura. Dana não entendia como alguns de seus sonhos se tornavam realidade. Não era certo, não tinha lógica.
Fiquei bem apreensivo em vários momentos do livro, pois as pistas deixadas pelo autor eram bem rasas. Até mesmo quando o vilão é apresentado, toda a descrição sobre ele, seu pensamento e forma de agir nos deixa em dúvida sobre a sua verdadeira natureza: humano, sobre-humano, divino? Nem o seu nome sabíamos, então, tudo acontecia às cegas. Foi uma jogada muito inteligente. Me senti no lugar da Dana, tentando encontrar a verdade ao mesmo tempo em que ela insistia em ficar escondida.
“Quando você olha para um abismo durante muito tempo, o abismo também olha para você. Você compreende o que significa?”
Mesmo a narrativa sendo sobre fé e descrença, o autor aproveitou espaços para falar sobre machismo e xenofobia. Em sua busca por respostas, Dana vai se conhecer e se aproximar de um garoto chamado Ethan, um jovem querido e reservado. Um clima vai surgindo entre os dois, um possível romance se desenrolaria, mas em dado momento ele comenta que ela não poderia se cuidar sozinha e que precisava dele, pois ela era apenas uma garota. Isso deu a noção de que ela era inferior à ele, porque era mulher. O mais triste nisso tudo é saber que esse pensamento ainda existe em muitas pessoas nos dias atuais. Da mesma forma que a xenofobia é uma realidade. Um personagem de origem caribenha argumenta que viver nos Estados Unidos era complicado pois todo mundo olhava para ele como se fosse um ladrão, um bandido, alguém que não deveria existir.
O final do livro foi satisfatório e me convenceu de que sim, dadas as circunstâncias, ela teve motivos mais que suficientes para deixar de acreditar e se tornar cética. Foi uma grande provação pelo o que ela passou. Eu no lugar ficaria bem desorientado. Desconfiaria de tudo e de todos. Complicado descobrir que algo que você acredita pode ser uma mera ilusão. Sem contar que a resolução da trama prega uma grande peça. Aquele ditado “o inimigo pode estar mais próximo do que imaginamos” se mostrou muito presente nesse livro. Eu comecei a suspeitar de um personagem em questão, já que as evidências apontavam pra ele. Mas, acabei sendo enganado.
“Foi o que Ethan tentou não dizer, mas foi o que saiu. O mundo não foi feito para garotas ou mulheres. Foi feito por homens que não queriam compartilhar nada. Nem poder, nem o dinheiro, nem as vantagens, nada. Aquilo a deixou furiosa. Afinal de contas, era 1979. Tudo isso já não deveria ter sido resolvido àquela altura?”
O Advogado do Diabo foi uma leitura interessante e fiquei bem contente com a Dana Scully que foi apresentada, além é claro de entender os motivos que a tornaram cética. Faltou um pouco mais de ação, é verdade, mas em comparação ao Agente do Caos, a narrativa foi bem mais positiva. Com certeza é um bom livro de suspense e que vai agradar quem não conhece muito – ou nada – da série. E para quem é fã, nem preciso dizer que é uma ótima ideia de matar a saudade dessa querida personagem. Afinal, não há notícias sobre outros livros a serem publicados e na série de TV a personagem encerrou sua atuação (infelizmente).