Laulisa 19/01/2021
Impecável
Reler um livro de que eu gosto muito depois de anos é sempre uma experiência interessante, porque, por mais que conheça a história, nunca sei o que esperar. No caso de Memórias de uma Gueixa, que está há muito tempo na minha lista de favoritos, essa incerteza foi especialmente significativa. Quando o li das primeiras vezes, não tinha o olhar crítico para enxergar além do enredo, então não fazia ideia se continuaria gostando tanto da obra quanto no passado.
Felizmente, tendo terminado essa leitura mais minuciosa, posso dizer que não apenas continuo amando a trajetória da Sayuri, mas a amo ainda mais do que antes. Existem vários pontos que contribuíram para isso, mas o mais marcante de todos é o realismo da história, presente a tal ponto que é quase difícil acreditar que é uma obra de ficção; se eu não soubesse a verdade, poderia pensar que todos esses personagens e situações realmente existiram e aconteceram. É difícil controlar o impulso de pesquisar por certos nomes para saber o que houve com cada uma das pessoas que a protagonista encontrou ao longo de sua jornada.
A própria Sayuri, com suas descrições detalhadas, comentários pertinentes, emoções e opiniões fortes, é um dos fatores que mais confere esse efeito realista. Ela é uma personagem profunda, mas, acima de tudo, humana, com sonhos, objetivos e falhas; ela acerta muito, mas também comete muitos erros; e ela é determinada a conseguir o que quer, não importa o custo. Com uma personalidade tão bem trabalhada, não é de se admirar que a complexidade dela se estenda a todo o livro.
Mas nem só de protagonistas é feita uma narrativa, e os outros elementos não deixam a desejar. Através de uma pesquisa extensa, Arthur Golden criou um cenário que permite a imersão do leitor, não apenas nos lugares pelos quais Sayuri passa, mas pela própria cultura e momento histórico por ela vivenciados. Mesmo as descrições de sentimentos são tão poéticas e expressivas que é possível entender plenamente cada personagem, saber por que agem da forma que agem e simpatizar até mesmo com o menos simpático deles. (Exceto o barão. O barão merecia dor, sofrimento, agonia e só.) O próprio desenvolvimento dos personagens é feito de uma maneira impecável, e acompanhar sua evolução, assim como a evolução de seus relacionamentos, é um dos pontos mais instigantes da leitura. A trama com Nobu, os sentimentos de Sayuri pelo presidente, os paralelos entre Hatsumomo e Abóbora e todas as outras cujas decepções as levaram por um caminho similar: eu poderia escrever sobre esses tópicos por horas e levantar tantos outros ainda. Cada detalhe mínimo é importante de alguma forma, o que, é claro, só torna o livro melhor.
Em outras considerações, reler, sabendo do final, me fez perceber várias dicas sutis que o autor deixou para prenunciar o que aconteceria. Foi, ao mesmo tempo, engraçado e angustiante acompanhar todos os desencontros.
Por fim, deixo a recomendação para qualquer um que esteja procurando um enredo cativante, que cumpre seu papel de entreter, mas também se aprofunda em temas como cultura e história; personagens complexos e realistas; e uma escrita magnífica. Depois de todo esse tempo, Memórias de uma Gueixa segue sendo uma leitura cinco estrelas e um dos livros que mais amo na vida.