malu334 08/05/2024
A distopia mais real
É uma estória e tanto, com muitos pontos fortes e que é muito impressionante o quanto é possível se pensar diante de tópicos que estão na nossa frente todos os dias. Ambientado em um regime teocrático autoritário que transformou o Estados Unidos em Gilead, tem como ponto de vista Offred, uma Aia. Nessa realidade, por conta de guerras e exposição á substâncias radioativas, muitas pessoas ficaram inférteis e não conseguiam cumprir com o papel de repopulação dado pelo governo, então destituíam Aias para esses casais -- uma mulher fértil que tem como único objetivo gerar um filho para o casal. As Aias, conforme se vai conhecendo, são proibidas de manter relações com outros, saírem sozinhas e sem autorização, de exporem seu corpo ou de cuidar de sua aparência, para se preservarem para a gravidez e serem não-desejáveis, pois o ato da procriação é impessoal e sem prazer, além de desconfortável para quem participa. Além das Aias, temos as Marthas, governantas da casa; as Tias, mulheres responsáveis pelo treinamento das Aias; os Comandantes, homens com certo tipo de poder e influência no governo; e as Esposas, que como o nome sugere são cônjuges dos Comandantes, algumas não podem engravidar e no geral têm quase nenhum direito - mas ainda mais do que as Aias.
Contudo, quero falar principalmente sobre a personagem principal. Offred é uma Aia da primeira geração desse regime, viveu o golpe do Congresso pelos extremistas religiosos e viu/viveu as mulheres perderem todos seus direitos, inclusive seu dinheiro. Tinha uma filha, que foi tomada por ser considerada bastarda, e um marido, o qual depois anulam o casamento por ele ter sido divorciado - algo não reconhecido pela igreja. Portanto, tem constantes lembranças de sua antiga vida, além de não saber que fim se deu para eles e outros entes. Achei genial a maneira que ela não é nenhuma salvadora com espírito subversivo; ela aceita e sofre e espera. Criar uma personagem passiva mostra para mim que não vai ter final feliz, que as coisas são assim e agora tenho que assistir como vai se seguir, da mesma maneira que Offred. Ela sente falta da filha, deseja por qualquer estímulo de vida e se abstém de viver no seu corpo, viver sua vida conscientemente. Por termos constantes histórias do seu passado, ouso dizer que ela nunca chegou a processar tudo que aconteceu, ou então simplesmente não tem motivo para se manter viva e se agarra a lembranças, como se estivesse contando para alguém.
Esse livro é muito curioso, foi escrito em 1985 mas com os olhos de hoje, o que é impressionante. É difícil de acreditar que foi feito há décadas atrás. Falando sobre extremismo religioso, fragilidade política e opressão machista, temas que são ainda muito atuais e perigosos. Você percebe que eles tomam decisões com a justificativa que a sociedade estava perdida, os valores estavam trocados, e em outras palavras, havia muita liberdade. Coincidentemente (rs), as mulheres são as primeiras a perderem sua liberdade, tomadas como se toma brinquedo de criança que não se comporta bem. Como mulher, me sensibilizei em vários momentos com Offred e todas suas perdas e violências femininas, e como cidadã notei diversas semelhanças com a realidade, e de como os extremismos (de todas as vertentes) estão tomando força. Há muitas críticas e reflexões nesse livro, inclusive tenho certeza que só vou perceber outras com tempo, e muitos detalhes abertos para própria interpretação, que não me cabem dissertar para que tenham suas opiniões. Uma leitura muito válida para questionadores e reflexivos, que adoram uma distopia (não tão irreal assim rs).