GilbertoOrtegaJr 13/06/2017A câmara sangrenta e outras histórias – Angela CarterOs dez contos apresentados por Angela Carter em A câmara sangrenta e outras histórias podem ser vistos como releituras feministas dos contos de fadas tradicionais. Os principais objetivos da autora são explorar e dar maior destaque à participação das mulheres nos já clássicos contos de fadas, tirando elas dos papéis de donzelas indefesas e frágeis que precisam ser salvas, repondo-as no centro das narrativas, onde exercem papéis decisivos nos desfechos das mesmas.
No primeiro conto, que dá título ao livro e é baseado na fábula do Barba Azul, um marquês da França acaba de se casar com sua quarta esposa, após a morte das outras três, e a trama gira em torno de um cômodo que não deve ser aberto. Em O Sr. Lyon faz a corte, que é claramente inspirado em a Bela e a fera, uma jovem é obrigada a jantar com a Fera, após seu pai roubar uma flor do jardim da criatura. Desse modo, assim como no conto A noiva do tigre, não é possível saber quem exatamente é capaz de afetar mais o outro, se são as feras ou as jovens donzelas, graças a complexos jogos de sedução.
Já em O gato de botas, temos uma das narrativas mais leves do livro, onde um gato ajuda seu amo a conquistar e a ficar junto à jovem amada. O rei dos elfos, por sua vez, traz a interessante história de amor entre uma mulher e o Rei do elfos, até ela perceber o quanto pode correr perigo se não souber usar sua sedução para favorecê-la. Em A filha da neve, nos é contada uma interessante disputa por parte da condessa para que ela não perca a atenção do seu amado conde para a jovem filha que ele tanto desejou. Já em A senhora da casa do amor, o narrador conta a história de uma espécie de filha do Drácula, que vive com uma ama que é muda e que, graças a um estranho misterioso, conhecerá o amor.
Por fim, nos contos O lobisomem, A companhia dos Lobos e A loba Alice, trazem as histórias que são permeadas com a temática: lobos ou lobisomem. Em O Lobisomem, temos o encontro de uma jovem menina com um lobisomem e a revelação sobre a identidade dele. Também, A companhia dos lobos conta uma releitura de chapeuzinho vermelho, onde a menina consegue domar o lobo graças a seus encantos femininos. Já no último conto, nos é apresentada a história de Alice, uma menina que desde pequena viveu com os lobos, mas é resgatada e o narrador mostra parte das suas descobertas na sua nova vida com seres humanos.
Uma das grandes questões que o livro levanta é o possível feminismo presente nele, e muita gente não concorda tanto com o fato de conter, nas histórias, nudez e sexualidade, além da capacidade de sedução feminina, que podem ser usadas como armas. Para mim é aí que entra a parte interessante do livro, pois é preciso que nos esforcemos para contextualizar os contos na época em que as histórias se passam, uma vez que a sedução, o corpo e a sexualidade feminina são os poucos artífices que as mulheres dispõem. Ok, isso não é a coisa mais digna para se fazer com seu corpo, mas é isso que permite, dentro dos contos, o poder de decisão das personagens sobre seus futuros. Elas não estão ali simplesmente à espera do príncipe que as salvará, e nem mesmo do amor, pois quando esse aparece, as mulheres escolhem se vão se render a ele. Para mim, isso pode não ser feminismo, mas o mínimo que posso chamar tal fato é de que é justo, já que a pessoa tem o direito sobre o que fazer da própria vida acima das convenções sociais.
Os contos de Angela Carter são escritos de forma firme e descritiva, sendo todos bem desenvolvidos. A autora é mais descritiva para levar a cabo dentro do conto aquilo que é sua intenção mostrar, afetando um pouco o livro como um todo, pois se perde muito da agilidade e exige uma dose maior de concentração por parte do leitor, mas nada que cause grandes prejuízos à obra. Em minha concepção, valeu muito a pena conhecer a escrita da autora e ficou o interesse em ler mais de seus trabalhos.
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