Mariana.Paula 14/02/2021
A questão do Paradoxo do Navio de Teseu proposta por Plutarco, e alimentada por outros filósofos, conta o seguinte: o barco que levava Teseu (um dos argonautas) foi ajustado durante toda sua viagem, dos mastros aos remos, às tábuas do casco, todo o navio foi renovado com novas peças na medida em que era necessário. A questão que se impõe é: ao fim da viagem, o barco que foi é o mesmo que voltou?
Nosso corpo renova várias de suas células todos os dias, em um punhado de anos praticamente todas as nossas células são renovadas, o nosso corpo não é mais, biologicamente, o mesmo com o passar dos anos (ou é?).
Argonautas, da Maggie Nelson, navega por essa discussão. É um livro autobiográfico em um constante fluxo de consciência, que costura a narração com as experiências da autora e suas reflexões sobre elas - muitas vezes conectadas com as referências das discussões acadêmicas que ela incorporou na sua vida. Nelson aborda a escrita, questões sobre gênero, identidade, vivência e teoria queer, e sua experiência familiar, o afeto - perceptívelmente - sólido que ele tem sobre a pessoa que é sua perceira de vida, Harry - um homem trans não binário -, e seu filho e enteado.
Um dos pontos principais que ela toca é o das mudanças corporais que ela e Harry enfrentam paralelamente, ela em sua primeira gravidez e Harry com a transição, a cirurgia e o uso de testosterona. Ambos modificando seu físico para atingir seus objetivos, para chegar ao fim das suas jornadas. A autora fala das mudanças que passam e da constante do amor entre os dois, readaptado constantemente; o livro pode ser visto como uma carta de amor de 150 pgns também.
O físico se modificava, o externo recolhia outros significados mas "por dentro, éramos dois seres humanos passando por transformações um do lado do outro, testemunhas tácitas um do outro. Em outras palavras, estávamos envelhecendo." (p. 92)
"eu te mandei o trecho [...] em que Barthes descreve como o sujeito que diz 'Eu te amo' se parece com 'o Argonauta que renova seu navio durante a viagem, sem lhe mudar o nome'. Assim como as partes do Argo são trocadas com o tempo sem que o barco deixe se chamar Argo, o significado de 'Eu te amo' deve ser renovado a cada uso da frase pelo amante, pois 'a própria tarefa do amor e da linguagem consiste em dar a uma mesma frase inflexões sempre novas." (p.9)