Aline Marques 11/12/2018Comportamento é comunicação. [IG @ousejalivros]Quando o controle lhe é roubado, resta sobreviver.
Roxane Gay era.
Uma boa filha, boa irmã, boa aluna e amiga. Ativa e determinada, alegre e sonhadora.
Até ter tudo isso arrancado de dentro de si, por um grupo de meninos que enxergou um monte de carne e ossos que valiam a pena ser sacudidos, penetrados e descartados. Um objeto, uma coisa. Menos do que humana e digna.
Adolescentes, em sua maioria, ainda estão aprendendo a lidar com as mudanças de seus corpos, longe de se sentirem confortáveis. Some isso ao fato de ser mulher, negra, filha de haitianos e vítima de uma violência abominável, e tudo fica muito, muito mais complicado.
Gay precisava sentir que seu corpo era seguro, que o passado apenas a assombraria, sem voltar para um novo acerto de contas. Então, ela comeu e comeu e comeu.
Ao expor a história de seu corpo com tamanha honestidade, Gay traduz as experiências de diferentes leitores que, talvez pela primeira vez, poderão ver além dos limites de sua aparência, diminuindo o controle (mesmo que metafórico) de terceiros sobre seus corpos e mentes. Aqueles que perpetuam padrões inalcançáveis, apontando a humanidade como uma vergonha, excluindo e destruindo, também tem muito com o que se identificar.
A narrativa não é (sempre) linear. Marcada por repetições de ideias, pensamentos e afirmações, poderia se tornar extremamente cansativa, mas os capítulos curtos e a apresentação de conceitos sobre autoimagem e feminismo, por exemplo, dinamizam e despertam a curiosidade do leitor. A autora também aborda, com sutileza, o preconceito e a discriminação racial, motivando reflexões importantes sobre racismo e representatividade.
Uma leitura necessária e memorável, capaz de despertar uma grande fome por empatia e justiça, nos lembrando de que a busca pelo conforto e a força são individuais, mas que não há problema em dar voz a nossa fraqueza e pedir ajuda.