Ana Ruppenthal 22/09/2017
Sensacional
"Escrever, para mim, é um ato físico, carnal. Quem me conhece sabe a literalidade com que vivo. E, principalmente, a literalidade com que escrevo. Eu sou o que escrevo. E não é uma imagem retórica. Eu sinto como se cada palavra, escrita dentro do meu corpo com sangue, fluidos, nervos, fosse de sangue, fluidos, nervos. Quando o texto vira palavra escrita, código na tela de um computador, continua sendo carne minha."
Quando me pedem alguma recomendação de livro, ou quando eu mesma saio em busca de uma nova leitura, eu sempre fico com um pé atrás quando eu vejo que o autor é jornalista. Geralmente jornalistas tem uma escrita cretina, tendenciosa, cheias de verdades vendidas - isso eu falo com base no que eu acompanho na mídia. Mas também conseguem ser justamente o oposto. Quando um jornalista dotado de sensibilidade escreve um romance com base no que vivenciou e observou - até porque jornalistas são seres que viajam muito - a obra é sensacional.
Esse livro é uma das exceções a que me refiro. O Olho da Rua retrata de maneira figurativa, quase metafísica, os extremos da realidade da nossa vasta nação - os muitos Brasis de um só país.
Para mim em particular foi fenomenal por causa do momento em específico em que eu o peguei pra ler: simplesmente peguei um volume aleatoriamente na biblioteca, o juntei na pilha de livros para a monografia e saí da biblioteca esperando que eu conseguisse ao menos ler um capítulo (já que eu erroneamente julguei que, pela capa um tanto quanto feia o livro fosse ruim), para me descansar a cabeça de tantas teses e teorias.
E o que a autora me permitiu foi justamente uma viagem. Um passeio a rincões mais inóspitos do Brasil, onde você menos espera que tenha gente, e onde você menos imagina que haja esperança. Um contraste com as nossas mais diversas realidades, ou, como no meu caso, um encontro com elas.
A autora não tem grande estilo na sua escrita, mas tem paixão, tem sensibilidade, tem envolvimento com o retrato. Eu particularmente amo os clássicos literários, amo vocabulários eruditos, alegorias, lirismo, estilização - e toda aquela parafernália que um volume de um livro pode conter. Mas esse livro foi justamente um retorno ao plano dos fatos; a obra me arrancou de toda a idealização a que eu me acostumei e me trouxe para a vida cotidiana de Roraima, do subúrbio do Rio de Janeiro e de São Paulo, lugares onde eu nunca estive física ou psicologicamente até então.
O livro retrata toda a beleza do ser humano mesmo em seus quadros mais trágicos. É um livro inteligente, envolvido, um autobiográfico até (pois veja que a autora põe muito de si em sua arte). Concluindo essa resenha eu nem sei mesmo como classificá-lo (se é que um sentimento de estupefação, como o sentimento que esse livro me trouxe, pode ser classificado em palavras), e nem sei mesmo para que gênero de leitor recomendar. Então, internautas que estiverem a ler essa resenha, eu recomendo esse livro fortemente a todos aqueles que estiverem querendo se descontrair sem fugir da vida real, justamente através de uma viagem rumo à realidade social brasileira.