Maria - Blog Pétalas de Liberdade 03/10/2018Resenha para o blog Pétalas de Liberdade Em 1959, numa pequena cidade dos Estados Unidos, vive Ragle Gumm, um homem de 46 anos que mora com a irmã Margo, o cunhado Vic e o sobrinho. Há anos, ele ganha dinheiro participando de um concurso de jornal, onde, através de algumas dicas, precisa descobrir em qual dos 1208 quadradinhos do gráfico o "homenzinho verde" vai aparecer, e Ragle sempre acerta (ele é quase uma celebridade local).
Mas Ragle anda refletindo sobre sua vida, questionando se não está desperdiçando seu tempo sem ter um "emprego de verdade", "encostado" na casa da irmã, não sendo tão bem sucedido quanto o vizinho, Bill Black, que trabalha no Departamento de Águas da cidade e é casado com Junnie, uma mulher que tem dificuldade de se desapegar dos tempos de adolescência.
"Uma desolação estonteante se abateu sobre ele. Que desperdício tinha sido sua vida inteira. Ali estava ele, quarenta e seis anos, brincando em uma sala com um concurso de jornal. Sem um emprego sério, com salário de verdade. Sem filhos. Sem esposa. Sem casa própria. Dando em cima da mulher do vizinho." (página 55)
Ragle tem uma quedinha por Junnie, mas esse não é seu maior problema, coisas estranhas têm acontecido: quando foi comprar algo em uma barraca de refrigerantes, a barraca simplesmente sumiu diante dos seus olhos, restando apenas um pedaço de papel onde estava escrito BARRACA DE REFRIGERANTES, e não era a primeira vez que isso acontecia! Em outra ocasião, ele se deparou com uma lista telefônica com números que não funcionavam, era impossível falar com qualquer dos número listados. E uma revista falava sobre uma famosa atriz chamada Marilyn Monroe sobre a qual ele e a família nunca tinham ouvido falar!
"- Preste atenção - disse Vic. - Você consegue coisa muito melhor do que a Junie. E de qualquer modo, ela já tem alguém.
- Um palerma.
- Não importa. É a instituição que conta, não o indivíduo.
Ragle disse:
- É difícil pensar em Bill e June Black como uma instituição. De qualquer modo, não estou no clima para questionar instituições agora.
- Me conte o que aconteceu - disse Vic.
- Nada.
- Vamos, diga.
Ragle disse:
- Alucinações. Só isso. Recorrentes.
- Pode entrar em detalhes?
- Não quero.
- É algo parecido com a experiência que eu tibe ontem à noite? Não quero ser indiscreto. Aquilo me perturbou. Acho que tem alguma coisa errada.
- Tem alguma coisa errada - disse Ragle.
- Não quero dizer como você ou comigo ou com qualquer pessoa. Quero dizer em geral.
- O tempo - disse Ragle - está desconjuntado." (página 64)
Estaria Ragle ficando louco? Ou haveria algo de errado em sua vida? Isso é o que o personagem, e nós, leitores, descobriremos no decorrer da leitura. Ao longo dos capítulos, imaginei mil e uma teorias sobre a realidade de Ragle, desde a possibilidade de ele estar mesmo alucinando até a hipótese de estar vivendo como o protagonista do filme O Show de Truman.
O final até que foi plausível, embora eu ache que essa parte da ficção científica poderia ter sido um pouco mais aprofundada na obra. A questão das coisas que sumiam (como a barraca) ficou sem explicação para mim. Os diálogos me incomodaram um pouco, pois encontrei muitos "Fulano disse", e essa repetição do verbo dizer me parecia algo mecânico. Mas gostei muito da relação de Ragle com a irmã e o cunhado, parecia mesmo uma família. Mais próximo do final, houve um daqueles momento que amo em livros: quando algo de grande importância fica nas entrelinhas, não precisa ser dito, mas é perceptível para o leitor (já tinha encontrado momentos assim em "O Sol é para todos" e "Todas as constelações do amor"); para não dar spoiler, só digo que se refere a uma importante decisão do protagonista.
É um livro não muito longo, com pouco mais de 250 páginas, podendo ser lido rapidamente. Apesar de uma ou outra questão que ficou em aberto para mim (outros leitores podem ter entendido algo que deixei passar), foi uma leitura que gostei e recomendo, tanto para quem já está habituado a ler ficção científica, quanto para quem, assim como eu, leu poucos livros do tipo. É muito interessante tentar desvendar a verdade sobre Ragle Gumm (e eu, particularmente, gosto de ler histórias escritas há algumas décadas para notar as diferenças entre as épocas e como os autores imaginavam o futuro).
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