Pedro3906 21/03/2024
Se um leitor num espaço de opinião
"O pior é que já tudo amola e contraria: desejo ler tão simplesmente o Se um viajante numa noite de inverno e ele não existe. Enganação das mais cruéis.
Anotei isto no meu caderno de leituras em uma de minhas noites lendo. Não foram noites de inverno, tampouco munidas da vivacidade maciça da obra, e portanto limitarei o caráter analítico às elucubrações, sadismos calvinianos e preferências entre os romances."
Você está lendo a nova resenha de um mequetrefe leitor mediano: você abriu o aplicativo e por vontade própria ou violência estrangeira topou, como quem é surpreendido no meio da rua com um acidente ou invasão domiciliar. "O que me impressiona, a princípio, é a sutileza de utilização dos modelos clássicos romanescos com maestria e o jogo de cintura embutido. Devemos nos lembrar que dar cabo criativo a doze histórias é ? com o perdão acusatório ? sarna pra se coçar, ou a demonstração cabível das capacidades pessoais". O comentário prossegue em notas de quem mostra ousadia, adjetivando os romances de "homeopáticos e redundantes", por se adiarem, demorarem em seus modismos. Seus olhos passam pela resenha, analisam, captam as letras iniciais das palavras porque, na urgência atual e farto de leituras atrasadas, ou ainda, temeroso da repetitividade literata que lhe faz buscar ávido uma leitura para fora de todas as casas e serviços essenciais, dos modelos enxutos e o título da obra lhe chama atenção, é criativo, é instigante, enfim, você tateia personagens e seus atos questionáveis. E este leitor dando rodeios pedantes, disfarçando a própria ignorância.
"Detesto o nome de Lotaria, parece agremiação de apostas ou, mudando a tônica, que estou proferindo nomes feios. Sua impertinência atiça a segunda opção"; e prossegue: "Encontro conforto nas citações referentes à perda de si mesmo; também, convidando-nos a participar, Calvino arrisca e dita nossas endemias, nossas atitudes enquanto leitores antropofágicos, verborrágicos (aderi ao vocabulário) e dúbios". Uma passagem anotada:
"Aproximando-se do centro da cena as linhas tendem a contorcer-se, a tornar-se sinuosas como a fumaça do braseiro onde queimam os pobres aromas remanescentes de uma drogaria armênia, cuja fama indevida de antro de ópio provocara o saque por parte da multidão vingadora dos bons costumes".
O escritor de nacionalidade conturbada, pois seu nome parece pertencente a todos os países falantes de idiomas derivados do Latim, contesta a atitude passiva do resenhista que, admitindo a acusação, copia " ? Não era para discutir, era para ler" num parágrafo novo ? ele tenta, está louco, desvairado por respostas emocionais de outrem. Não daremos. Nem a este, nem aos próximos subterfúgios malogrados de sua pessoa. Um gay (impacto), um detrator comunista? Mas que raio de resenha lhe recomendaram? Entende, pois, que o leitor mediano sofreu de catarse num dos capítulos, que agora guarda instintos romancistas e aproveitará seu parco repertório (acidental) na construção da ideia jamais digitada, não em ausência da máquina física, e sim em ausência de conhecimento prático.
Algo está estranho. O orgulhoso quem sabe duvida-se futuro promissor literato omite qualquer fala, qualquer sina de outros capítulos. E acrescenta seco a frase cortante do entretenimento (você já estava se divertindo mediante tamanha pataquada), o abalo de sua ganância absolutista de opiniões e debates sobre romances, você que os trata como sinônimo de estado vivo e anda pelas ruas olhando os rostos vazios e enxerga a Macabéa, a Ofélia, o Ulysses nos trabalhadores temporários com a cabeça na janela do ônibus.
"Como eu escreveria bem se não existisse!"