brunadaguarda 08/06/2024
Mais uma experiência incrível com Machado de Assis
Estava muito curiosa para ler esse livro e conhecer a história de Brás Cubas, porque da genialidade do Machado de Assis eu não duvidava. Esse foi um livro que demorei pra terminar, porque a leitura não foi tão rápida e fluída, mas com certeza o que me fez não desistir da leitura é o sarcasmo que o autor utiliza durante toda a história. Sarcasmo esse, que ele utilizou até pra atingir o meu comentário anterior, prevendo o que os leitores iam achar do livro.
"Porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham ameaçam o céu, escorregam e caem..."
O livro se passa no século XIX, narrado por Brás Cubas, que não é um autor defunto, é um defunto autor. Ou seja, ele escreveu o livro depois de morto, porque estava muito entediante lá ? não sabemos se é céu ou inferno, ele não fala nada sobre isso. Gosto bastante da objetividade do livro, os capítulos são curtos e vai logo ao ponto, apesar de que a história não é nem um pouco linear. Ele começa falando sobre a morte dele, sobre alguns delírios, fala sobre a infância, e assim fica alternando o tempo, criando uma história fragmentada.
Um dos recursos utilizados por Machado de Assis nesse livro é a metalinguagem, algo que eu gosto muito, está presente em Dom Casmurro também. Com esse recurso Brás Cubas interage o tempo inteiro com o leitor, fala sobre a escrita dele em alguns capítulos, avisando que vai ser inútil ler, haha! "Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho que fazer; e, realmente expedir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade."
Assim dá pra ver como ele é irônico o tempo inteiro, até nas críticas. Por exemplo, ele fala que é de uma família burguesa, mas faz muita crítica aos burgueses da época, sempre de forma irônica. No final do livro ele até fala "verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar pão com o suor do meu rosto", isso porque ele cita antes, tudo que ele não conseguiu ser em vida, não terminou sua pesquisa sobre o emplasto, não foi ministro, califa, nem casou.
Brás Cubas fala o livro inteiro em como ele foi medíocre em tudo que fez ou tentou fazer. Uma frase muito legal, que me inspirou bastante inclusive, foi: "A universidade esperava-me com as suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel", simplesmente gênio, haha.
Dá pra perceber também que Brás Cubas é bem 'frio', isso porque ele não tem um sentimentalismo por nada, ele não acredita na humanidade. O ceticismo dele é tão grande que a dedicatória do livro não é a nenhuma pessoa, é ao verme que roeu a carne do corpo dele. No final do livro ele também fala "não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria", o que mais uma vez mostra que ele não acreditava na humanidade. Ele não tem sentimentalismo nem nas suas relações 'amorosas', todos terminaram de um jeito frívolo. "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos", é um exemplo disso.
No momento do delírio dele, logo no início do livro, eu gostei muito da forma que ele trouxe a Natureza como personagem, foi muito forte e muito real. Fiz alguns cortes na fala pra não colar o diálogo inteiro, mas esse pra mim é um dos melhores diálogos do livro:
"? Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga.
? A Natureza que eu conheço é só mãe e não inimiga; não faz da vida um flagelo, nem, como tu, traz esse rosto indiferente, como sepulcro. E por que Pandora?
? Porque levo na minha bolsa os bens e os males, e o maior de todos, a esperança, consolação dos homens. Tremes?
? Sim; o teu olhar fascina-me.
? Creio; eu não sou somente a vida; sou também a morte, e tu estás prestes a devolver-me o que te emprestei... Que mais queres tu, sublime idiota?
? Viver somente, não te peço mais nada. Quem me pôs no coração este amor da vida, se não tu? E, se eu amo a vida, por que te hás de golpear a ti mesma, matando-me?
? Porque já não preciso de ti."
Nesse livro também cita o Quincas Borba, e eu descobri que o outro livro de Machado de Assis que chama Quincas Borba é um spin off de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Eu gostei bastante do livro, apesar de não ter achado fácil de ler, porque não tenho costume de ler clássicos. Então eu indico para as pessoas que estão na mesma situação que eu ? a curiosidade. Porque acredito que quem gosta de ler clássicos com certeza já leu esse, que foi um marco do realismo brasileiro. E quem não gosta de ler clássicos, nem tenta, porque quem eu ver falando mal desse livro não vou gostar!!