Fernando Lafaiete 24/10/2017Memórias Póstumas de Brás Cubas: Uma "resenha resposta" para os pseudo-intelectuais do Skoob.
Memórias Póstumas de Brás Cubas é o livro que inaugurou o realismo no Brasil. Publicado pela primeira vez em 1881, a obra prima de Machado de Assis foi fortemente criticada por não trazer uma narrativa convencial e positiva. Ainda assim, ao longo do tempo, a mesma se consagrou como uma das histórias mais importantes da literarura brasileira e se tornou um marco na literatura Internacional.
Machado de Assis foi um grande estudioso e seu conhecimento em literatura e em questões linguísticas chega a ser invejável. Este conhecimento se reflete solidamente em sua narrativa. Ele foi responsável pelas primeiras traduções realizadas de Os Trabalhadores do Mar de Victor Hugo e de Oliver Twist de Charles Dickens, duas das maiores obras-primas da literatura universal.
Em seu clássico realista, acompanhamos a "jornada" de Brás Cubas, o defunto autor, que após a morte decide escrever um livro de memórias. A narrativa não é linear e é regada de ironias, pessimismos, momentos oníricos, poéticos e muitas vezes reflexivos.
Brás Cubas é um protagonista difícil de se gostar. Ele é apático, quase nulo de sentimentos, o que faz com que seus relacionamentos interpessoais soem todos como superficiais e sem propósitos. Tal personagem não tem um objetivo palpável na vida e sempre almeja/deseja aquilo que não pode ter. Ele é pessimista e sempre apresenta opiniões pejorativas e desnecessárias sobre as pessoas as quais ele se relaciona. Todas as relações do livro carecem de sentimentos mais tridimensionais, e o que encontramos nada mais é do uma unilateralidade sentimental crua que mesmo assim ainda traz peso narrativo mais que significativo.
Nesta obra também nos é apresentado pela primeira vez Quincas Borba que acabará se tornando posteriormente o protagonista do clássico que levará o seu nome e que será considerado o segundo livro da trilogia realista de Machado de Assis.
Memórias Póstumas de Brás Cubas é um livro considerado por muitos como sendo de difícil leitura. Ele tem uma quantidade absurda de abandonos aqui no Skoob. Lendo algumas resenhas aqui postadas, me deparei com opiniões bem problemáticas (em minha percepção) acerca deste assunto. Quais são os reais motivos de tantos abandonos? Seria uma questão relacionada ao intelecto dos leitores brasileiros ou seria uma questão de incompetência da administração cultural da literatura em nosso país?
Antes de entrar no cerne destas questões, quero reforçar que esta minha leitura não foi inédita. Li este livro pela primeira vez aos 15 anos e odiei. O mesmo me deixou por um tempo traumatizado sobre livros clássicos. Somente com esta releitura e levando em consideração minha atual bagagem de leitura, pude constatar a genialidade de Machado de Assis.
Antes de voltar as questões que levantei anteriormente, preciso reforçar também, que assim como em Vidas Secas de Graciliano Ramos, Memórias Póstumas também possui um capítulo famoso, considerado por críticos literários como sendo uma perfeição narrativa. O famigerado capítulo 7, denominado de "O Delírio", apresenta o encontro do protagonista com a Natureza/Pandora que o indaga sobre qual seria o verdadeiro sentido da vida. É uma passagem bonita, poética e onírica. De fato uma verdadeira perfeição narrativa que resume bem o livro que possui um personagem central que vive sem viver.
Agora vamos retroceder as questões que tanto faço questão de introduzir nesta resenha. Muitos afirmam que tais abandonos são frutos da incapacidade dos leitores brasileiros em assimilarem uma narrativa mais truncada por simplesmente estarem acostumados com livros modinhas como Crepúsculo e livros de autojuda, que muitos afirmam não ser literatura. Quero frisar aqui que li toda a série Crepúsculo e não me envergonho disso. Tais livros foram extremamente importantes para a minha formação como leitor e não só os li como pretendo um dia relê-los. E se você já tentou ler Machado de Assis (por este livro ou por qualquer outro) e não conseguiu e abandonou, não se envergonhe e nem se incomode com isso. Você não é menos leitor do que eu ou do que qualquer outra pessoa. Você apenas não estava preparado(a) para ler este autor neste momento, assim como aconteceu comigo aos 15 anos. Não tem nada a ver com intelecto, tem apenas a ver com o momento certo de ler determinado autor. Não se obriguem a ler nada, a leitura precisa ser um processo agradável e engrandecedor e não algo respaldado pela obrigação. A obrigação literária é que é a grande culpada na questão do distanciando dos jovens em relação a livros clássicos.
Sobre as milhares de críticas que leitores de autoajuda recebem dos pseudo-intelectuais que afirmam que este gênero não é literatura; apenas lhes dou um conselho: "Ignorem estas críticas inúteis." A organização de palavras que resulta em um texto que lhe apresenta algum tipo de conhecimento, reflexão e divertimento, é literatura. Até a bula de remédios é literatura. Não confundam o que é literatura, com o que é texto literário e texto não-literário. Auto-ajuda não é texto literário, mas é sim literatura no seu âmbito mais profundo.
Julgamentos, afirmações, e expressões como sub-literatura e outros termos pejorativos não existem de maneira sólida nos estudos literários. Tais coisas nada mais são do que invenções de leitores que sentem a necessidade de inflamarem seus próprios egos diminuindo outros leitores. Em um país onde o número de leitores é medíocre, tais agressões de leitores para leitores são injustificáveis. Qual o sentido de escrever uma resenha inferiorizando outros leitores levando em consideração seus gostos literários? Na atual situação de nosso país, devemos incentivar a leitura e não desanimar as pessoas a lerem Independente de seus gostos pessoais.
Não tive nenhuma dificuldade em relação ao vocabulário do livro. A única coisa que enxerguei como sendo um possível problema são as diversas referências literárias e menções a pessoas célebres. Mas não se preocupem, as notas de rodapé estão ali para anular este possível empecilho, e portanto, devem ser lidas. Não as evitem!
Memórias Póstumas de Brás Cubas é um livro excepcional, com uma narrativa incrível e com uma estrutura sensacional. Apesar de ser um livro genial, ele não deve ser usado como parâmetro intelectual para leitores. Na verdade, nenhum livro é genial à este ponto. Inferiorizar pessoas que não leem clássicos é atitude de quem deseja se reafirmar como intelectual. Muito triste encontrar esse tipo de atitude em uma rede social onde o que deveria prevalecer é o amor pela literatura no geral!