Luiza 12/12/2023
O livro é uma boa fonte pra entender os objetivos e filosofias do chamado Vale do Silício e suas empresas Big Techs.
O livro aborda vários aspectos da problemática das Big Techs, como a automatização do pensamento com os avanços da IA, paternalismo dos CEO em relação aos usuários das plataformas baseado na ideia do "engenheiro redentor", o gatekeeping do conhecimento por essas grandes empresas através dos seus algoritmos arbitrários, o investimento que fazem para enfraquecer as leis de direitos autorais, o lobby político em Washington para barrar a regulação das suas atividades, além da manobras fiscais e contábeis que praticam para não pagarem os impostos devidos.
Achei particularmente interessantes: a explicação da influência e relação entre o Vale do Silício e o movimento hippie e new age dos anos 60; a discussão sobre os algoritmos dos sites refletirem escolhas de quem os cria - e não ciência; a informação de que o processo de privatização da Internet foi feito sem supervisão ou regulação do governo americano por escolha política consciente, em época de avanço da ideologia neoliberal; e o alerta para a tendência de crescimento do poder de Big Techs como a Amazon, que irão ditar o futuro do ambiente de trabalho, da economia e cultura a medida que seu tamanho aumenta, além de aumentar o escopo do seu monopólio com suas ambições de fornecer infraestrutura tecnológica aos governos.
O livro também aborda com mais profundidade o papel das empresas de tecnologia na crise do setor editorial e do jornalismo. O autor explica que a abundância de conhecimento espalhado na Internet tornou Google e Amazon ferramentas indispensáveis que organizam a vastidão de opções disponíveis, determinando, então, os ganhadores e perdedores nessa corrida da informação. Assim, as Big Techs têm interesse na abundância de material online gratuito, que levam à escassez de atenção dos consumidores e reforçam a necessidade de seu monopólio como organizadores do vasto conteúdo esparso. Como resultado, produtos com preços maiores, conteúdos pagos e sites com paywall são boicotados nas plataformas do Facebook, Amazon e Google.
O autor bate muito na tecla da crise editorial e denuncia como a Amazon pressiona os editores a acatarem seus preços e condições, boicota em seu site os editores que tentam enfrentá-la, retira anúncios de seus produtos de dramaturgia dos jornais que fazem matérias criticando a empresa. Chegando ao ponto de que grupos, como a Associação dos Escritores, têm que fazer reuniões secretas nos órgãos do governo em Washington para pressionar contra a Amazon - tamanha a força de retaliação da empresa contra os escritores e editores dos quais impõe dependência por meio do seu monopólio.
Muito é discutida também as mudanças no jornalismo causadas pelas Big Techs. O autor, jornalista, conta que os anunciantes migraram dos jornais e revistas para as redes sociais, levando esses veículos a precisarem de números absurdos de acessos por mês para conseguirem uma compra significativa. Assim, jornais e revistas se tornaram dependentes das redes sociais para aumentar o tráfego dos seus sites e, portanto, para garantir sua receita também.
Essa dependência aos dados de tráfego do site fez mudar o padrão de trabalho dos jornais. Cada vez mais é exigido que se publique muitas notícias a cada hora, se privilegie tendências do momento, se padronize os assuntos tratados e se incentive conteúdo viral - tudo para agradar o algoritmo e maximizar os dados. Isso levou a fenômenos como o Trump, que entendeu que precisava gerar tráfego aos sites para ser comentado por eles e, por isso, abusou de retórica conspiracionista e inflamatória que os sites tiveram que cobrir, dando-lhe um destaque que o alçou a presidência. Além disso, há também o fenômeno do conteúdo jornalístico que parece conteúdo de marca, mas não é, com fim de agradar possíveis anunciantes, e o patrocínio de corporações e fundações à novas seções inteiras nos sites de jornais e revistas.
Achei que o livro foi bem em abordar questões importantes de um assunto tão abrangente e inesgotável. No entanto, acho que a repetição de algumas críticas e a infinidade de apresentação de personagens históricos e ideólogos da tecnologia prejudicou um pouco o impacto e importância da denúncia principal sobre o poder das Big Techs. Me incomodou também a forma como ele falava que no passado o combate aos monopólios era melhor, ao mesmo tempo que contou a exata mesma história de monopólios duradouros nos telégrafos, telefonia e rádios americanas. Pareceu que o autor circundava o tema, mas não queria chegar ao fundo da questão, que é o sistema de produção que permite e privilegia os monopólios de forma histórica e estrutural e não uma novidade trazida pelas Big Techs. Embora eu reconheça que ele também falou da necessidade de um órgão regulador e fiscalizador das Big Techs em outro momento no livro, a solução que ele traz para os jornais soa totalmente fora de órbita, quando aposta no que ele próprio chama de "mito" de defesa da cultura, para que fique na mão dos consumidores escolher apoiar as mídias tradicionais por questões de ética ou status. Essa visão fica pior ainda quando ele a relaciona com o crescimento da Whole Foods, uma empresa que logo foi comprada pela Amazon. Ainda assim, acho que é um livro muito informativo, as dinâmicas são bem explicadas, e as recomendações finais do autor para que retornemos aos nossos recantos de contemplação privados, apesar de insuficientes, não são descartáveis nessa era de redes sociais.