Quem matou meu pai

Quem matou meu pai Édouard Louis




Resenhas -


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Rafael Mussolini 16/05/2024

Quem matou meu pai
"Quem matou meu pai" do Édouard Louis (Editora Todavia, 2023) é um relato comovente e violento, onde o autor analisa a relação com o próprio pai através da penumbra da desigualdade social, da pobreza, da homofobia e de uma política que mata. Édouard Louis não deixa de lado suas mágoas em relação ao amor que esperava receber do pai, mas consegue ir além ao discutir sobre a influência do meio para a formação da subjetividade de um homem que sempre precisou lidar com a falta. Uma falta que aos poucos foi se transformando em silêncio e violência.

O livro é escrito em primeira pessoa e como se fosse uma carta endereçada ao pai. A narrativa começa após uma visita, feita depois de alguns anos de distanciamento, e após Édouard se deparar com um homem debilitado por conta de anos de serviço pesado e diversos tipos de privações causadas pela pobreza. O autor constrói uma espécie de manifesto político, que mostra como funciona o jogo da exploração dos mais pobres e como existe um mecanismo de escravização de corpos e mentes, onde pessoas exploradas são convencidas de que suas dificuldades e necessidades são “coisas da vida”. O mesmo mecanismo que conseguiu fazer com que seu pai, um operário, votasse em um candidato da extrema-direita.

"Você não estava ali. Não estava nem mesmo boquiaberto porque perdera o luxo do espanto e do horror, nada mais era inesperado porque você não esperava mais nada, nada mais era violento porque você não chamava a violência de violência, chamava de vida, você não a chamava, ela estava ali, existia."

Édouard Louis constrói uma voz literária imponente ao utilizar da autobiografia e da escrita poética para narrar suas memórias. Em meados dos anos 90 e início dos anos 2000, o autor levou uma vida pobre e cheia de privações ao lado da família. Seu pai sempre foi operário e sua mãe uma dona de casa. Viveram no norte da França em uma época de graves crises políticas, portanto, nos relatos de Édouard, vemos claramente o impacto da desigualdade social na vida da classe operária francesa.

Na obra de Louis estabelecemos contato com alguns tipos de ausências. Temos a ausência clássica do diálogo entre homens, fato que é impulsionado pelo machismo, pela homofobia e que, por vezes, esbarra na violência. No caso de Édouard soma-se o fato de que o autor é um homem gay que precisou enfrentar o preconceito muito antes que a sua sexualidade fosse uma questão para ele mesmo. Era um menino gay sendo criado por um homem que foi convencido pela estrutura social de que abandonar a escola o mais rápido possível era uma questão de masculinidade.

"Durante toda a minha infância ansiei por sua ausência. Voltava da escola no fim da tarde, lá pelas cinco horas. Quando me aproximava de casa, sabia que se o seu carro não estivesse estacionado na porta queria dizer que você tinha ido ao bar ou à casa do seu irmão e que voltaria tarde, talvez no início da madrugada. Se eu não via seu carro na calçada na frente de casa, sabia que iríamos comer sem você, que minha mãe acabaria dando de ombros e nos servindo o jantar e que eu só o veria no dia seguinte. Todos os dias, quando eu me aproximava da nossa rua, pensava no seu carro e implorava em silêncio: faça com que ele não esteja lá, faça com que ele não esteja lá, faça com que ele não esteja lá."

Desde muito cedo, Édouard precisou lidar com a ambivalência, com a ironia de ao mesmo tempo em que ansiava pelo amor do pai, também desejava distância de sua frieza e de seu silêncio. Quando pensamos sobre isso, o livro ganha um significado maior, pois estamos diante da sede de um filho por respostas e ele logo percebe que elas estavam todas ali. O autor parte de algo particular para descobrir que tudo era de instância cultural e coletiva.

"Um dia, escrevi a seu respeito num caderno: escrever a história da vida dele é escrever a história da minha ausência."

Existe uma outra ausência na obra que é a ausência política. Édouard Louis é brilhante ao criar um manifesto político que descreve a forma sutil como a má política faz a manutenção dos pobres e da pobreza em um país. Ele faz isso enquanto conta a história de vida de seu pai, que sempre precisou trabalhar muito para conquistar pouco, que sempre precisou lutar para viver com o mínimo de dignidade.

"Gostaria de tentar formular uma coisa: Quando penso nisso hoje, tenho a sensação de que a sua existência foi, apesar de você, e contra você, uma existência negativa. Você não teve dinheiro, não pôde estudar, não pôde viajar, não pôde realizar seus sonhos. Há na linguagem quase apenas negações para contar sua vida."

Édouard olha para seu pai, com a saúde frágil por conta dos anos de trabalho e ainda assim sem direito a uma assistência digna e se permite perdoar o homem que ele se tornou. Ele percebeu que estava olhando também para o povo pobre francês. O autor relata uma ocasião em que o pai ficou impossibilitado de trabalhar por conta de um acidente de trabalho e cita as inúmeras reformas e resoluções governamentais que foram diminuindo e até mesmo retirando os poucos auxílios que os trabalhadores tinham. Seu pai, com um problema sério de coluna, precisou voltar a trabalhar, encurvado, varrendo rua, para garantir sua sobrevivência.

"Agosto de 2017 – o governo de Emmanuel Macron tira cinco euros por mês dos franceses mais necessitados, retém cinco euros por mês dos auxílios sociais que permitem aos mais pobre na França encontrar moradia e pagar aluguel. No mesmo dia, ou quase, não importa, anuncia uma redução de impostos para as pessoas mais ricas da França. Considera que os pobres são ricos demais e que os ricos não são ricos o bastante. O governo Macron determina que cinco euros não é nada. Eles não sabem. Dizem essas frases criminosas porque não sabem. Emmanuel Macron tira a comida da sua boca."

Édouard tem a coragem de dar nome aos bois e deixar registrado para a posteridade os nomes dos poderosos responsáveis pela morte de seu pai, como se essa fosse pelo menos uma forma de fazer alguma justiça.

"Hollandre, Valls, El Khomri, Hirsch, Sarkozy, Macron, Bertrand, Chirac. A história do seu sofrimento tem nomes. A história da sua vida é a história dessas pessoas que se sucederam para abatê-lo. A história do seu corpo é a história desses nomes que se sucederam para destruí-lo. A história do seu corpo acusa a história política."

O posicionamento político de Édouard é doloroso e também serve como um alerta. Ao ver os seus e sua comunidade em um ciclo sem fim de abusos, opressões e limitações, o autor deixa um questionamento sobre o que a política representa para os políticos e como estamos diante de uma sucessão de nomes que entram e saem do poder, sem fazer uma mudança realmente significativa para mudar a ordem das coisas. Édouard critica o posicionamento de governos ditos de esquerda, mas que não conhecem sobre quem tanto falam.

"Os poderosos podem reclamar de um governo de esquerda, podem reclamar de um governo de direita, mas um governo nunca lhes causa problemas digestivos, um governo nunca lhes tritura as costas, um governo nunca os arrasta para a praia. A política não muda a vida deles, ou muda muito pouco. Isto também é estranho, eles fazem a política, mas a política não tem quase nenhum efeito em suas vidas. Para os poderosos, na maior parte do tempo, a política é uma questão estética: uma forma de pensar, uma forma de ver o mundo, de construir sua persona. Para nós, significa viver ou morrer."

Édouard Louis mostra-se a cada livro como uma pessoa comprometida com as próprias convicções. Aposta no confronto com as ideias pré-estabelecidas, na provocação da classe dominante política e dos poderosos como uma das maneiras mais eficazes de promover alguma mudança significativa. E quando parte de uma história tão próxima e tão real como do próprio pai, da própria família e de uma comunidade da qual fez parte, seus relatos ganham mais corpo, principalmente ao mostrar que temas como política e justiça social não estão desassociados das noções de sobrevivência, amor e ódio.

site: https://rafamussolini.blogspot.com/2024/05/quem-matou-meu-pai-do-edouard-louis.html
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Fabi 11/05/2024

Não tenho certeza de que faça parte de uma trilogia biográfica. É o 3o livro em que o autor fala de sua infância, adolescência e início da vida adulta. O 1o que li o enfoque é nele mesmo, o 2o na relação com a mãe e este traz à tona a rotina com o pai. Acredito que por esta razão soou repetitivo para mim. Ainda assim, é uma leitura que impacta e traz um pano de fundo psicológico forte.
Pra quem chegou até aqui: leia este livro antes dos outros e aposto que apreciará mais do que eu.
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Larissa 05/05/2024

Um baque!
Tao difícil a relação entre pais e filhos LGBTQIAPN+!
Em um livro marcante, vemos as dores dessa relação, a dor de ver um pai morrendo e a tentativa de uma reconciliação, ainda que as palavras não sejam forte o suficiente pra criar esse laço.
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Camila 26/04/2024

Quem matou meu pai
Comecei a desbravar Édouard Louis pelo livro que fala do pai. E que pancada foi. Devorado em uma tarde, Louis partilha a difícil relação que teve com o pai, ao mesmo tempo que também a ressignifica quando ele, pai, está em uma situação bastante debilitada. O esforço, legítimo, de Louis para compreender a persona do pai é tão legítimo e profundo que emociona. Difícil não o perdoar também. Mais difícil é compreender como a pobreza, desigualdade, o machismo e o preconceito podem triturar um ser humano a ponto de reproduzir comportamentos tão odiosos. O jovem Édouard, hoje com 32 anos, iniciou esse processo profundo de empatia muito cedo, aos 22 anos, quando publicou seu primeiro livro. Isso me dá esperança de que é possível ser melhor. Fazendo uma comparação (injusta), vejo em Louis a empatia que não vi em Ernaux ao escrever sobre o pai.

?Escrever a história da vida dele é escrever a história da minha ausência?.
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Graziela 25/04/2024

Intenso
Este pequeno livro é o intenso relato do autor, Edouard Louis, narrando sua estranha relação com seu pai.
A falta de comunicação, as dificuldades de uma vida humilde, a preconceito que sofreu por ser homosexual desde criança.
Narra as dores vividas pelo pai e pela família.
Leitura rápida, deixa um sabor amargo na boca.
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Heloiza90 16/04/2024

É um livro bem diferente do que tenho lido, é rápido e bom de ler.
Gosto por abordar problemáticas políticas e sociais sob uma perspectiva diferente da minha. Nunca tinha parado pra pensar que a política não infere muito na minha vida, na minha bolha; segundo ele a política interfere tanto na vida de alguns a ponto de decidir se vai viver ou morrer. O que para alguns não é nada, pra outros é muito.

Gosto muito da parte que o pai dele vai comemorar na praia com a família por ter ganho um dinheiro extra. Gostei da forma que ele abordou essa relação tão dualista com o pai dele, teve horas que achei um bom pai, outras um péssimo pai.

É um relato bem real, vida real; vida tão temida por tantos, mas que encanta quem consegue ver beleza no que é de verdade.
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Luis.Henrique 30/03/2024

De toda a obra de Édouard Louis essa nos dá uma sensação de síntese, mas de uma síntese onde tudo que era demais ficou depurado, decantado. Restou o essencial.
Esse essencial é duro, emocionante, verdadeiro.
Humano e político

Tudo na medida exata da verdade.
Uma obra prima da contemporaneidade.
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tavim 30/03/2024

Quem matou meu pai, de Édouard Louis
Que das manchas bem se sabe, importa, contudo, distinguir das sujeiras o alvejar do cerne da sua estirpe; vem impregnado aos modos de ser de gerações, que das repetições também tão bem se sabe. ano após ano, membros tragam dos sorrisinhos e acertos uns dos outros numa sucessão de gente infeliz --- família que perdura pelas desgraças. dobrado para o lado de fora o espetáculo é contundente: da dor dos direitos básicos, usurpados pelo poder público, nasceu, cresceu e se proliferou um jardim de pragas, que se autodevora a qualquer mínima manifestação de florescer.

segundo livro de édouard louis que leio nesse mesmo mês e que me causa impacto. em quem matou meu pai, o escritor destrincha causas políticas que atingiram diretamente sua família e como isso (a falta de recursos) afetou e gerou violência nos relacionamentos entre si, mas que o mesmo não acontece com famílias abastadas. como bem frisa o autor francês, aos ricos, 'a política é uma questão estética: uma forma de pensar, uma forma de ver o mundo, de construir sua persona. para nós [os pobres], significa viver ou morrer'. recomendo este e também o outro livro autobiográfico do autor, lutas e metamorfoses de uma mulher, ambos da todavia.
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Bookster Pedro Pacifico 29/03/2024

Quem matou meu pai, de Édouard Louis
Um manifesto literário e íntimo. Com menos de 100 paginas, Édouard Louis constrói um texto híbrido, que combina críticas sociais à desigualdade e à sociedade opressora em que vivemos, com suas memórias, em especial a sua conturbada relação com seu pai, que não aceitava um filho gay. Se a autoaceitação de uma pessoa da comunidade LGBTQIA+ já é um processo difícil e dolorido, enfrentar esses medos com a repulsa familiar é uma tarefa muito mais sofrida.

E a obra de Édouard Louis comprovam como essas vivências deixaram marcas, que acabam sendo denunciadas em suas narrativas. Eu já tinha lido “O fim de Eddy”, um romance autobiográfico, e terminei aquela leitura extremamente reflexivo e com revisitando minhas próprias dores.

O jovem autor francês é detentor de uma escrita potente e que gera identificações no leitor, não só pela questão da sexualidade, mas também pelos conflitos familiares e seus ideais. “Quem matou meu pai” se aprofunda no resgate daqueles que nos criaram, até como uma tentativa de melhor compreendê-los. O que leva um pai a privar um filho de afeto e, pior, a inundar uma criança e um adolescente de tanta violência?

O livro também mergulho em aspectos sociais e políticos muito atuais e que também dialogam com a nossa realidade. Apesar de curta, é uma abordagem crua sobre os privilégios, as injustiças e as discriminações. Recomendo muito!

Nota: 9/10

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Ricc 25/02/2024

Necessária, dura e pragmática, 'Quem matou o meu pai' é uma daquelas leituras imersivas que fazem o leitor refletir sobre o seu redor.

Uma literatura breve e autobiográfica capaz de demonstrar o quanto estamos e somos reféns de um sistema decaído e o quanto o aspecto político é responsável por isso.

Surpreendente e assertivo.
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Giovana762 25/02/2024

Quando conhecemos nossos pais?
A vulnerabilidade das relações familiares expostas, entre a violência e o afeto. Achei esse livro uma tentativa de reconhecer a história dos nossos pais, mas principalmente a história do que eles queriam ser e não foram. A infância é um elemento muito marcante na obra pois nela buscamos muitos porquês. Por fim, ficamos diante das políticas que perpetuam violências contra as pessoas pobres. Apesar de curto e rápido, é o livro que nos leva a reflexões mais duradouras. Adorei!
Leitorconvicto 25/02/2024minha estante
Parece interessante




JoAo366 23/02/2024

Perfeito. Sem tirar nem botar. Meu livro está TODO marcado. O jeito que ele começa o livro já me pegou de uma forma muito forte. A linguagem que ele usa pra conseguir tecer um fio entre suas memórias, a homofobia do pai, seus sentimentos mais ínfimos e como a política afetou sua família, é bizarro. ?A violência me salvou da violência? pra mim é uma das passagens mais fortes junto com ?quando penso no passado e na nossa vida comum, lembro primeiro de tudo que eu não disse a você, minhas lembranças são do que não aconteceu.?

Recomendo MUITO! Ja quero ler todos dele
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JefersonBOli 22/02/2024

Morremos diariamente sem notar
Temos aqui a história de um rapaz ilustrando uma infância conturbada por diversos conflitos envolvendo sua figura paterna. Quais os motivos do pai agir de tais formas estranhas? Em que momento ele mudou de bom para péssimo pai? Quem é responsável pela péssima transformação de homem romântico a agressivo? E principalmente: quem o matou?

A narrativa lembra bastante a de ?Avesso da Pele? em questão de estilo literário, retorno ao passado para incrementar a experiência e a escolha da segunda pessoa do discurso em todo texto. Em contrapartida, neste, não temos o racismo, mas sim a homofobia como um dos principais assuntos envolvendo os dois grandes protagonistas.

Uma leitura leve, rápida, ideal para uma ressaca literária. O final possui certa reviravolta, contudo, não tão impressionante. De qualquer maneira, vale gastar umas horinhas aqui.
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