fernandaugusta 26/03/2022Torto Arado - @sabe.aquele.livro"Sobre a terra há de viver sempre o mais forte".
Assim, com esta tijolada, termina "Torto Arado". Acredito que existem livros que nascem clássicos, e este assim o é. "Torto Arado" me dividiu: em alguns momentos não é uma leitura empolgante, tem um início lento, mas em muitos é impactante, cru e dolorido. E tem este final, que vou levar para o resto da vida.
Itamar Vieira Junior trata com rica prosa o que se trata - a princípio - da história das irmãs Bibiana e Belonísia. Mas esta trama tem um fermento que a faz crescer e ficar muito maior que a trama das irmãs unidas além da fraternidade por um acidente terrível. Ela cresce com o sofrimento do povo negro pelo direito de existir, de viver além da escravidão, disfarçada de servidão.
Bibiana e Belonísia vivem com os pais, Zeca Chapeu Grande e Mãe Salu, a avó Donana e os irmãos menores como trabalhadores da fazenda Água Negra. Tem que trabalhar de sol a sol nas terras do patrão, sem ganhar nada por isso, a não ser poder viver em uma casa de barro (nada de alvenaria) e ter um roçado para que pudessem plantar o que comer quando sobrasse tempo da plantação do patrão. Crianças, as curiosas irmãs são atraídas pela velha mala de couro da avó, e um dia descobrem que entre tantas coisas ali guardadas, há uma faca. O fascínio pelo objeto faz as duas levarem a afiada faca à boca, e o resultado é que uma delas perde a língua.
Assim, as duas se vem ligadas pelo laço da necessidade: uma vai ser a voz da que perdeu a fala. Até que a maturidade e as escolhas levam a uma separação que vai mudar profundamente a história da Água Negra.
"Torto Arado" alcança diretamente quatro gerações de quilombolas. Versa sobre os costumes daqueles que trabalhavam por morada no interior baiano, "negros do mato", pessoas que por vezes se passavam até por índios, para ter um resquício de amparo legal. Através de Donana e Zeca Chapeu Grande entramos no universos das festas de jarê, dos curadores, e das entidades que eram recebidas com respeito nas rodas destas festas, em uma abordagem muito bonita e rica dos ritos de matriz africana.
Um drama familiar, a história de uma nação e seus costumes, lutas, sofrimentos e toda a injustiça a que foram submetidos. E à medida que o tempo passa, as mudanças, o fio da justiça e o clamor da esperança.
Tenho certeza que meus filhos terão que conhecer este livro no futuro, nas aulas de Literatura Brasileira. Saio de "Torto Arado" mais rica em conhecimento e empatia. Saio arrepiada pela força da narrativa, pelo impacto de seu final, e sua última frase. Mais uma obra que vou passar panfletando, sempre que tiver oportunidade. Leiam!