Lethycia Dias 24/05/2019Mistura de autobiografia e ficcção"Infância" é um livro de memórias de Gracialiano Ramos, em que recupera algumas de suas lembranças mais longínquas. É quase uma mistura de autobiografia e ficção, em capítulos que relembram acontecimentos ou passagens específicas, porém que não necessariamente obedecem a uma cronologia.
Graciliano Ramos nasceu em 1892, em Alagoas, mas sua família se mudou ainda no início de sua infância para uma vila no sertão de Pernambuco. Esse acontecimento é retratado no livro. Há o período vivido em uma fazenda, e, ao que me parece, em outra. Mas isso pouco importa. O que interessa de verdade nesse livro são as impressões de um menino que nada sabia, que falava pouco, desconfiava e temia os adultos, e que parecia olhar tudo pelos cantos, temendo ser percebido.
Somos levados pelos capítulos de "Infância" por meio desses pensamentos, reflexões ingênuas porém extremamente profundas, como a frase que citei no início dessa resenha, em referência à falta de compreensão do menino de como os padres poderiam saber do que se trata o inferno sem nunca terem estado nele.
Também é uma espécie de retrato de um Brasil distante e triste, perdido na poeira, em um tempo irreal. Um Brasil em que padres são quase autoridades; fazendeiros e chefes políticos estão acima da lei; em que varíola é doença mortal; em que a escravidão perdura mesmo depois de abolida, como se nada houvesse acontecido; em que livros são coisa rara, cara e quase sem utilidade; em que a falta de acesso ao estudo formal dificulta a compreensão da vida em sociedade; em que guerras e disputas antigas circulam na boca do povo como acontecimentos ainda recentes.
É um livro bastante interessante, mais para despertar reflexões do que para surpreender com acontecimentos. A escrita é menos árida que a de Vidas Secas, único livro do autor que eu tinha lido antes, e mais pontuada de adjetivos. Talvez até pontuada por um afeto nostálgico, porém nem um pouco romântico, que provavelmente foi o que me encantou.
Ao final, um posfácio escrito por Cláudio Leitão ajuda muito na compreensão da experiência de ler esse livro, e outros materiais, como a cronologia da vida de Graciliano, complementam o conteúdo. Uma bibliografia de suas obras também serve de guia para quem deseja ler mais. Mal posso esperar para ler seu outro romance famoso, o "São Bernardo".
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