Criss8 05/03/2024
Very nice and very gay
Não li todos os contos ainda porque estou lendo para Unicamp e não quero confundir os contos obrigatórios, mas vou fazer resenha mesmo assim para me ajudar na análise.
Primeiramente é interessante que se a pessoa para quem o conto foi dedicado for pesquisada é possível se aprofundar muito mais no contexto da história.
É importante dizer que o autor, Caio Fernando Abreu, foi um escritor e jornalista assumidamente gay durante a ditadura, ele não gostava de ser resumido à sua homossexualidade, com razão, mas ainda é uma parte de quem ele foi e é muito importante falar sobre principalmente nos tempos atuais, além de ser essencial para a interpretação dos contos.
Caio morou em várias cidades do Brasil, além de vários lugares em outros países também, logo teve influência de vários estilos literários, não se encaixando particularmente em nenhum em sua escrita, que é considerada híbrida. Por esse motivo, muitas de suas obras são consideradas atemporais. Duas características importantes presentes em suas obras são solidão e homoerotismo.
CONTÉM MUITO SPOILER A PARTIR DAQUI
DIÁLOGO
O primeiro conto é literalmente o que o título sugere, um diálogo. Não há descrição ou construção de personagens, apenas um diálogo entre os personagens A e B.
A conversa gira em torno de um possível duplo sentido, ou como o personagem B diz, "alguma coisa atrás" de uma fala do personagem A. O diálogo dá várias voltas nos mesmos pontos, causando humor ao conto. De tantas repetições e voltas, fica claro que há, de fato, um duplo sentido.
ALÉM DO PONTO
O segundo conto, narrado em primeira pessoa, passa o sentimento de solidão e ansiedade.
O personagem está indo, apé e na chuva, ao encontro de um outro personagem, apenas mencionado como "ele". O principal está com pressa e persebe-se wue fica ansioso com o encontro, até um pouco inseguro.
"fui percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era."
O principal pensa até em voltar atrás por conta das inseguranças, mas não consegue.
É revelado que é recorrente que "ele" chame o principal e que os dois guardam um segredo.
O principal se sente atraído e conectado ao segundo personagem, "ele". "puxando o fio desde a minha cabeça até a dele, por dentro da chuva, era para mim que ele abriria sua porta"
Porém, diferente das outras vezes mencionadas no texto, a porta não foi aberta. A insistência do principal em continuar batendo na porta "dele" é a pura definição de desepero e solidão. É palpável o sentimento de confusão, de se perder tão profundamente que é impossível se encontrar novamente.
TERÇA-FEIRA GORDA
É o primeiro conto com homoerotismo EXPLÍCITO, os outros dois possuíam também, porém nas entrelinhas. A história está repleta de críticas sociais e também deixa claro algumas opiniões do autor.
"Eu era apenas um corpo que por acaso era de homem gostando de outro corpo, o dele, que por acaso era de homem também."
A história, assim como todas as outras dele, retrada a realidade dos personagens e da sociedade, o que me tirou da minha zona de conforto e me fez surpreender com o final. O conto mostra a violência da sociedade. O preconceito.
"Mas vieram vindo, então, e eram muitos. Foge, gritei, estendendo o braço."
E, de novo, as sensações de desespero e solidão.
PÊRA, UVA OU MAÇÃ?
A história se passa no que parece ser um consultório psicológico, onde o personagem principal está atendendo uma paciente. É a primeira presença feminina dos contos escolhidos para Unicamp.
Há bastante descrição e fica claro o desinteresse do personagem principal, o possível psicólogo, em relação ao que a mulher tem a falar.
O desinteresse do principal mais a ansiedade da mulher atrasam um pouco o entendimento das metáforas.
A mulher conta uma reflexão do dia dela, e a conclusão que tira, "apostar nas ameixas", se refere a fazer suas próprias escolhas com base apenas em suas opiniões, no que ela precisa. Independente do que é esperado dela pelos outros, mesmo que não seja "certo", ela tem que começar a viver por ela.
A crítica social também está presente neste conto.
O DIA EM QUE JÚPITER ENCONTROU SATURNO
Uma história que transborda melancolia e solidão, esta última vinda de um sentimento de não pertencimento.
O conto tem dois personagens, um homem e uma mulher, que evidentemente se sentem atraídos pelo outro.
É mencionado memórias passada que os dois compartilham, podendo ser interpretadas como um reencontro depois de um tempo ou memórias de vidas passadas. Também é possível ainda pensar que os dois possam ser literalmente Júpiter e Saturno.
O conto trás reflexões sobre tempo e perda, luto.
"? Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
? Natural é encontrar. Natural é perder.
? Linhas paralelas se encontram no infinito.
? O infinito não acaba. O infinito é nunca.? Ou sempre."
AQUELES DOIS
O último conto escolhido pela Unicamp, e o mais bonito na minha opinião. O conto apresenta autodescoberta, solidão (assim como todos os outros), homoerotismo implícito, amizade, luto e muitas outras características e emoções.
A história acompanha dois colegas de trabalho, Raul e Saul, que inicialmente não se conversam, mas com o tempo, devido a algumas circunstâncias acabam iniciando uma amizade sem perceber. Ambos estão fora de sua cidade natal e sem amigos ou família; é dito várias vezes que os dois se sentem muito sozinhos, isto é, até se encontrarem. A amizade deles evoliu cada vez mais, até virar um sentimento desconhecido para os dois.
Eles passam vários momentos juntos, e acabam despertando o preconceito de seus colegas de emprego, que acabam por fazer eles serem demitidos. O final fica em aberto sobre o futuro deles, mas eles saem juntos, no mesmo taxi, da empresa. Não é comprovado o final feliz de Saul e Raul, mas o final infelizmente de seus ex colegas da repartição sim.
"Pelas tardes poeirentas daquele resto de janeiro, quando o sol parecia gema de um enorme ovo frito no azul sem nuvens do céu, ninguém mais conseguiu trabalhar em paz na repartição. Quase todos ali dentro tinham a nítida sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram."
É uma crítica óbvia à intolerância das pessoas, uma vez que, mesmo com atração, os próprio personagens não sabiam o que semtiam e não tinham nenhuma relação romântica ou sexual. Logo, os colegas da repartição fizeram reclamações com base em suposições pessoais e fortes preconceitos simplesmente por eles parecerem fora de um padrão.