Fabio Shiva 08/08/2021
coragem
Existem muitos motivos para admirar esse livro. Começando pela coragem de abordar um tema tão difícil em uma obra destinada ao público infantojuvenil: crianças desaparecidas. Como informa o autor no apêndice, há somente em nosso país “200 mil pessoas sumidas a cada ano / entre 10% e 15% dos casos ou nunca são solucionados ou têm como consequência a morte do desaparecido”. E os dados assustadores continuam: “Estima-se que quatro crianças com menos de doze anos desapareçam todos os dias no Brasil.”
Diante de informações tão alarmantes, fica mais do que evidente a necessidade desse livro, “um relato ficcional sobre uma história muito real para muitas pessoas”. Dificilmente, contudo, o que é necessário é também fácil ou simples. Li “O DIA EM QUE LUCA NÃO VOLTOU” em crescente estado de angústia. Imagino a carga emocional que não deve ter representado para Luís Dill a tarefa de escrever esse livro.
Mesmo porque trata-se um texto de muito engenho e arte. Começando pela exibição do título dos capítulos logo ao começo do livro:
1. AS HORAS SEGUINTES
2. OS DIAS SEGUINTES
3. AS SEMANAS SEGUINTES
4. OS MESES SEGUINTES
5. OS ANOS SEGUINTES
Essa é outra decisão corajosa do autor, que deliberadamente abre mão de explorar o suspense fácil (Luca irá voltar? O que aconteceu com ele?), em nome de uma meta mais elevada e muitíssimo mais difícil. Parece que o desafio já é grande o suficiente, mas Dill está disposto a ousar mais ainda, ao estruturar sua narrativa de forma inovadora, em longos parágrafos com os diálogos embutidos na narração em primeira pessoa, novamente escolhendo o caminho mais árduo ao dispensar os travessões que ventilam o texto e facilitam a leitura para os leitores iniciantes.
E quando mergulhamos nas páginas de O DIA EM QUE LUCA NÃO VOLTOU, em meio a tantas demonstrações de coragem, algo vai ficando muito claro: Luís Dill é um escritor e tanto. Se ele comete tantas ousadias, é porque cacife não lhe falta para isso. A narrativa flui com muita sensibilidade, com a história sendo contada pelo ponto de vista de Everaldo, o Dô, filho da empregada doméstica que trabalha na casa dos pais de Luca, e que é também seu amigo, até pelo fato de os dois estarem na mesma faixa etária. Como pano de fundo ao tema principal, do desaparecimento de Luca, Dill vai apresentando diferentes matizes de dramas paralelos, que traçam um contexto social e emocional para a tragédia.
Com mais de 50 livros publicados, Luís Dill é um autor versátil e muito talentoso. Dele eu já li uma obra completamente diferente, o excelente suspense “SAFÁRI” (http://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2018/05/safari-luis-dill.html). Amo ver um autor ser capaz de transitar com tanta habilidade em obras tão diversas. Claro que pretendo ler muitos outros livros dele! E salve a nossa Literatura Brasileira!
https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2021/08/o-dia-em-que-luca-nao-voltou-luis-dill.html