Em Sádica sílaba, Yara Fernandes Souza torna o corpo em palavra e faz da construção do poema um exercício metaliterário apontado nas próprias seções que compõem esta coletânea: “Vísceras versadas”, “Matéria-prima de versos”, “Metalínguas”, “Atraverso-te” e “Lança lírica”.
Escolhe a carne, mas também a linguagem que aprisiona este tecido humano, como elementos fundantes dos sentimentos que transitam em seus versos, pequenos jogos para comunicar o banal e o profundo, o homem e o que está além de sua condição, como nos versos de “Guardados”, “Gosto de deixar/ as melhores palavras/ ali na caixa de rascunhos/ para serem comidas por traças/ envelhecerem safras”, e ainda em “Kafkianas”, “Eu canto até me abrir / desfazer o exoesqueleto / Máscaras descartadas / Romper a casca de quitina”.
O equilíbrio de sua escrita pulsante e viva se dá entre sentimentos e vontades que produzem o cotidiano de uma mulher, ou de mulheres, no plural, como descrito em “Fim”, “Eu Medeia. / Eu Joana. /Eu todas as eias e anas / entre tantas / desenganas e desideias”, representando assim toda intensidade e singularidade da performance dos vagantes sobre a terra.
Os poemas deste livro aliam experimentos e a consciência da nossa jornada por nos apontar aonde podemos chegar, como as notícias que correm o mundo em franca velocidade, permitindo-nos tocar vidas distantes, como em “Verso Cego”, “Éramos 33 / fomes e sedes chilenas /presas na mina germinal / centro ígneo útero/ da terra, que sempre erra / o resgate”, ou mesmo o profundo de um corpo que tem como justo título “Caverna”, “A concavidade / de úmidos espele-óleos / guarda uma oceânica / hipérbole / um segredo de sal / solidificado / calcário / Tão imenso / que cabe em duas letras:/ tu”.
É neste caleidoscópio que vislumbramos o abismo, que em um primeiro instante nos remete ao perigo, mas que oferece, igualmente, o fascínio pelas formas livres. Atravessar esta coletânea de poemas é equilibrar-se em fio de navalha afiada.
(Apresentação escrita por Itamar Vieira Junior, autor de Torto arado)
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