Julia Tolezano provavelmente nem tinha em mente um público-alvo bem definido quando decidiu criar o canal Jout Jout Prazer no YouTube, ela só queria falar livremente do que quisesse. As opiniões espontâneas e bem-humoradas de Julia, por responderem muitas questões embaraçosas dos jovens-adultos de seu tempo, encontraram um eco estrondoso e catapultaram seu nome para o hall de grandes celebridades youtubers no Brasil. Como tem sido comum nos últimos anos, essas personalidades muitas vezes acabam sendo convidadas para lançarem livros – e cá estamos nós com a versão Jout Jout dessa nova espécie que chega ao mercado editorial.
O público-alvo desse livro, entretanto, não me parece tão amplo quanto o do canal no YouTube. Não que algo tenha mudado de uma mídia para outra – pelo contrário, a Jout escritora é tão a mesma que a Jout vloger que por si só isso já cria uns problemas e nos faz pensar sobre a diferença entre essas mídias, e como elas não são equivalentes. Se você não conhece o Jout Jout Prazer, então provavelmente não lerá esse livro; e se você conhece, então vai lê-lo do início ao fim com a narração quase auditiva de Julia dentro da sua cabeça. A voz dela acompanha cada linha, graças às marcas de coloquialidade. Nos vídeos, isso cria uma conexão que lembra a amizade; no livro, isso cria a noção de que temos todos muito pouca idade. A tirar a linguagem, temos vários aspectos mesmo estéticos que poderiam facilmente justificar porque esse livro nem chega ao jovem-adulto, mas é mesmo uma obra juvenil: os capítulos curtíssimos que fazem a felicidade do adolescente que não consegue mais engatar sequer um capítulo de 20 páginas sem um esforço descomunal, os primeiros parágrafos de cada um deles num tamanho de fonte bem grande a ponto de um parágrafo curto ou médio tomar o espaço de mais de 1 página, capítulos que não dizem coisa alguma.
Um problema latente na atual febre dos livros de youtubers é que, para as editoras, eles são nada mais que um enlatado de uma personalidade seguida por muitas pessoas. Julia nos conta que as empresas de marketing chamam essas celebridades de “influenciadores” – isso porque elas têm o poder de levar grande parte de seu público a comprar marcas apoiadas por elas ou produtos assinados por elas mesmas, como – tcharam!!! – um livro. É uma arte antiga na indústria cultural de massa: cantoras lançam fragâncias, atores arriscam-se na música, e por aí vai. Por essa ótica, “Tá todo mundo mal” está pronto para satisfazer o adolescente que almeja desesperadamente passar o máximo de tempo possível dialogando com essa jovem maravilhosa que é a Julia, um tempo ainda maior do que os muitos minutos de vídeos vistos e revistos (que eu inclusive acompanho e adoro!) no YouTube. A Jout autora desse livro é tão a mesma do vlog que quem o acompanha vai reconhecer várias histórias já ouvidas, afinal tudo que ela faz com seu espaço nas duas mídias é bem simples: contar suas próprias histórias – que, como podemos imaginar, é um universo limitado. Várias crises que ela nos conta aqui funcionariam melhor em vídeo, isso para não mencionar algumas que nem sustentariam um bom vídeo.
O melhor lado de ter lido “Tá todo mundo mal” foi entender melhor por que afinal Jout Jout é (merecidamente!) um sucesso. Como a própria relata, “a questão é que, enquanto todo mundo parecia ter uma verdadeira vocação, (...) eu não tinha vocações. Não tinha talentos. (...) Pelo menos nada que pudesse ser traduzido em emprego. Eu era uma boa amiga.” E quem não quer uma boa amiga?! Se tem algo que fica provado com esse livro é que ela é gente como a gente, e que passa fazendo graça por crises, paranoias que muitos de nós – jovens – passamos.
Jout Jout não funcionou muito bem como escritora porque, na verdade, ela foi vlogueira até na hora de escrever. No YouTube, ela é uma personalidade fenomenal: certeira nos temas, carismática na expressão, firme nos posicionamentos. No livro, temas e questões se repetem e surge uma sensação incômoda de infantilidade – afinal, um livro não é um vídeo. E é uma boa coisa que sejam coisas diferentes e funcionem como tais.