Diálogo Sobre a Ordem. Cassicíaco, Novembro de 386. Em debate, o eterno enigma do mal. A razão habituou-se a respostas fáceis: ou Deus não governa o mundo ou, se o governa, anda distraído. O ano 386 parece eivar a existência de Agostinho de gestos irrazoáveis: abandona a prestigiosa carreira de professor de Retórica em Milão; resigna da seita maniqueísta onde durante nove anos partilhara convicções, dúvidas e anseios acerca do mal e da morada da Verdade. Agostinho procura agora a solidão recatada, o pousio do espírito para alicerçar a sua mundividência. Cassicíaco oferece o ecossistema adequado ao descanso e à reflexão: um espaço rural, abundante em prados verdes, animais de campo, regados e torrentes, onde não faltam mesmo os balneae romanos. Ante o escândalo do mal, a resposta do Hiponense brota, desconcertante. Urge produzir cultura, tarefa confiada por excelência à Filosofia. Se esta falta, tudo se confunde, em cada espírito humano e no rumo da Humanidade. O apelo de Santo Agostinho dirige-se ao ser humano hodierno e à comunidade de que ele é responsável. Esfumada a identidade da Filosofia, questionada a sua legitimidade, ciência e tecnologia arvoram-se hoje em verdadeiras divindades, deixando por justificar a sua eficácia própria e, sobretudo, a sua impotência - quando não a sua força destrutora - no confronto com o sofrimento e o mal, em suma, com a experiência limite da finitude e da morte.