Muito já se escreveu sobre a Somália e a guerra civil que assola o país desde os anos 1980, mas pouco se sabe sobre o seu povo. Em seu segundo romance, a escritora britânica de origem somali Nadifa Mohamed se encarrega de trazer à luz a vida, a língua e a cultura dessa gente.
Ambientado na cidade de Hargeisa às vésperas do conflito que engoliu o país, O pomar das almas perdidas conta a história de violências e perdas de três mulheres de gerações distintas. Deqo, Kawsar e Filsan se encontram pela primeira vez em um estádio, na festa de aniversário da revolução que colocara no poder uma ditadura militar.
Aos 9 anos, Deqo, que só conhecia a existência no campo de refugiados onde nascera, fará uma apresentação de dança - e por ela receberá um desejado par de sapatos. Mas ela erra a coreografia e recebe punição. Das arquibancadas, a viúva Kawsar, em seu eterno luto pela morte da filha adolescente, vê a agressão e decide intervir. É presa por Filsan, uma jovem soldado ambiciosa que em breve aprenderá uma lição dura sobre si mesma e o mundo dos homens. Os eventos que se desenrolam do momento da prisão de Kawsar até a volta de Filsan à delegacia são dramáticos e determinantes do que virá a seguir.
O livro passa então a acompanhar a vida de cada uma das mulheres. Deqo se perde pelas ruas da cidade, perambulando pelas bancas do mercado até encontrar refúgio na casa de prostitutas. Machucada, impossibilitada de se mover, Kawsar volta para seu bangalô e passa a viver com a ajuda de uma jovem. Filsan retorna ao quartel e ao seu trabalho de patrulha. Nesse momento, a narrativa cresce e ganha uma qualidade poética admirável, para a qual muito contribui a musicalidade das palavras somalis sussurradas aqui e ali.
Aos poucos, a revolução se dissemina e o conflito armado se instala de vez, obrigando a população a deixar sua casa. Em meio aos escombros, aos cadáveres, à areia do deserto e às suas próprias perdas, Deqo, Filsan e Kawsar voltam a se encontrar para viver o seu destino final, num trabalho precioso de construção de enredo que ajuda a explicar por que a revista Granta elegeu Nadifa Mohamed uma das melhores jovens escritoras britânicas de 2013.
Ficção / Literatura Estrangeira / Romance