"O Morro dos Ventos Uivantes" é uma história de amor. Cruel e apaixonante. Suas páginas exalam um força terrível e um sensualismo explosivo, quase explícito. E mais: ódios arraigados, paixões além da morte, sadismo, exploração e abuso infantil, descrições brutais e sem contemplação para com os defeitos e traumas humanos, recheadas de cenas de tortura mental e violência física.
Não por acaso, a primeira reação à obra foi de rejeição: os ingleses não entenderam nem apreciaram aquela mistura de romantismo desbragado, realismo cru e trama complexa. Nem acreditaram que tivesse sido escrita por uma mulher que, para poder publicar, utilizou um pseudônimo masculino. Em 1827!
Aliás, até mesmo hoje não é tão fácil entender Emily Bronte e o furacão que carregava dentro do seu corpo miúdo e frágil. Criada em uma austera e rígida família protestante, sem quase nunca ter saído de sua casa na miserável cidadela de Haworth, Emily era a mais retraída de uma trinca de irmãs que fez história e marcou época. Anne, Emily e Charlotte Bronte, cada uma a sua maneira e com seu estilo próprio, escreveram e publicaram, com resultados variados.
Enquanto a obra de Emily era rejeitada, "Jane Eyre" de Charlotte, que num primeiro momento sequer foi aceita pelo mesmo editor que publicou Anne e Emily, emplacou e, de repente, tornou-se um enorme sucesso.
Emily Bronte morreu em 1928, com apenas trinta anos, sem sequer imaginar que chegaria a ser considerada melhor escritora que suas irmãs, nem que "O Morro dos Ventos Uivantes" seria consagrado como um dos romances mais importantes da literatura inglesa e mundial.
Heathcliff é uma dessas personagens marcantes que se agarra a nossa memória e se torna impossível de ser esquecida, assim como um Capitão Ahab, de Herman Melville em "Moby Dick", ou um Robinson Crusoé de Daniel Defoe, a machadiana Capitu ou o atormentado Hamlet de Shakespeare.
Tormentos não faltam para Heathcliff. Foi levado para o solar dos Earnshaw aos sete anos, resgatado das ruas de Liverpool, quase morto de fome e fadiga. De imediato, se estabelece uma relação de amor-ódio entre ele e os irmãos Cathy e Hindley Earnshaw.
Os maus-tratos, o tratamento injusto e diferenciado, as diferenças de classe social e educação tornam praticamente inviável a coabitação entre seres tão díspares. Ao longo dos anos, à medida em que crescem, as tendências íntimas de cada um afloram, predominam e explodem: a indolência e brutalidade de Hindley, a forte mas indecisa personalidade de Cathy e a quase selvageria de Heathcliff, encerrada em uma caixa de mutismo e isolamento.
O clima mórbido e barroco da casa Earnshaw, localizada no morro eternamente cortado pela ventania, é o palco para as terríveis cenas da morte de Cathy e a consumação da morte-em-vida de Heathcliff, que passa a dirigir todo o seu amor-desespero-ódio para sua filha, também chamada de Cathy.
Mais tabus românticos esmigalhados por Emily Bronte: a heroína morre no meio da história! (isso é revelado desde as primeiras páginas, portanto não precisa se preocupar: não estou soltando nenhum segredo da trama). Nunca sabemos se o "herói", Heathcliff, realmente é uma vítima digna de dó ou um algoz inconseqüente. E o final... bem, só se pode dizer que não é nada simples.
Os ingleses da época de depararam com aquilo e ficaram se perguntando, perplexos: onde estava o maniqueísmo simplista e moralizador? Como distinguir os "bons" e os "malvados"? Como classificar uma história que não é realista e não se pretende ser um retrato de costumes e, ao mesmo tempo, não se insere dentro do formato esquematizado do romantismo piegas?