O Homem Sem Qualidades

O Homem Sem Qualidades Robert Musil




Resenhas - O Homem sem Qualidades


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Lista de Livros 25/12/2021

Lista de Livros: O homem sem qualidades, de Robert Musil
Parte I:

“Uma hora por dia é um doze avos da vida consciente, e basta para manter um corpo treinado como o de uma pantera, capaz de enfrentar qualquer aventura; mas é desperdiçada numa expectativa insensata, pois nunca chegam aventuras dignas de tal preparativo. O mesmo acontece com o amor, para o qual o ser humano é preparado da maneira mais monstruosa.”
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“Todas as pessoas ocupadas em destruir os êxitos de um período positivo precedente pensam que os estão corrigindo.”
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Parte II:

“Nem eu mesmo sei se estou mentindo.”
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“Uma águia bateria poucas vezes as asas para ir de um telhado a outro; mas para a alma moderna, que atravessa brincando oceanos e continentes, nada é tão impossível quanto encontrar a ligação com as almas que moram na outra esquina.”
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“Quem é imparcial tem de poder suportar uma palavra dura de vez em quando.”
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Parte III:

“Quando uma vida é intensa não se pode também exigir que seja boa.”
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“Arnheim partilhava dos desígnios de sua época. Esta adora o dinheiro, a ordem, o saber, o cálculo, a medida, portanto, no fim das contas, o espírito do dinheiro e seus parentes; ao mesmo tempo se lamenta por isso.”
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Parte IV:

“Nada é comido tão quente quanto se cozinhou; com o tempo, os mais intensos exageros, entregues a si mesmos, produzem um novo comedimento; não poderíamos nos sentar em nenhum trem, e na rua deveríamos ter sempre na mão uma pistola carregada, se não pudéssemos confiar na lei mediana que torna improváveis as possibilidades exageradas.”
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“A exigência ideal de amar ao próximo é seguida pelas pessoas reais em duas partes, a primeira dizendo que não suportamos os outros, a segunda querendo que se mantenham relações sexuais com uma metade deles.”
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“É sabidamente um grande alívio, quando nos aborrecemos, aliviarmos nossa raiva em alguém, ainda que essa pessoa não tenha nenhuma culpa; só que de hábito se esquece isso quando se trata do amor. Porém é a mesma coisa, e o amor muitas vezes tem de ser aliviado em alguém que não tem culpa nenhuma, caso não encontre outra oportunidade de se expandir.”
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jota 06/06/2011

ROBERT MUSIL, UM ESCRITOR DE QUALIDADE
Sempre que se vê uma lista dos melhores livros do século XX, o escritor austríaco Robert Musil está presente. Se não é com O Homem Sem Qualidades é com O Jovem Törless. Às vezes com os dois livros.

O Jovem Törless foi o primeiro livro publicado por Musil (em 1906) e é um romance de formação, desses em que o personagem passa por angústias e transformações. Nessa história, por conta dos horrores sofridos durante o tempo em que esteve como aluno interno em uma instituição de disciplina bastante rigorosa. E que guardaria muita semelhança com o sofrimento do jovem Musil durante a adolescência, nos anos em que estudou em instituições de ensino militar.

Mas o reconhecimento de seu gênio literário deu-se mesmo com a obra volumosa e inacabada, muito citada e pouco lida (são cerca de 870 páginas), O Homem Sem Qualidades. E aqui nos valemos das palavras do escritor e tradutor gaúcho Marcelo Backes, que muito bem sintetizou seu conteúdo:

"A ação (...) transcorre na Áustria imperial, dissimulada sob o nome de Kakânia. O romance constitui um vigoroso painel da existência burguesa no início do século XX e antecipa, de certa forma, as crises que a Europa viveria apenas na segunda metade daquele mesmo século. A obra é – em suma – o retrato ficcional apurado de um mundo em decadência.
"Elaborado com fortes doses de sátira e humor, O homem sem qualidades é uma bola de neve de ações paralelas, que rola pela montanha do século abaixo, abarcando tempo e espaço, para ao fim engendrar um romance inteiriço, ainda que multiabrangente, pluritemático e panorâmico. Ulrich – o homem sem qualidades – faz três grandes tentativas de se tornar um homem importante. A primeira delas é na condição de oficial, a segunda no papel de engenheiro (vide a carreira do próprio Musil) e a terceira como matemático, exatamente as três profissões dominantes – e mais características – do século XX. Os três ofícios são essencialmente masculinos e revelam o semblante de uma época regida pelo militarismo, pela técnica e pelo cálculo que, juntos, acabaram desmascarando o imenso potencial autodestrutivo da humanidade." (...)

Enfim, para se ler esta erudita obra de Robert Musil é preciso que o leitor também tenha algumas qualidades, sendo que talvez a mais importante delas seja a paciência. Paciência para atravessar as mais de 800 páginas da edição brasileira da Nova Fronteira, em tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth, que é a que tenho em mãos. A recompensa ao final? Uma viagem pelo tempo (ou pela história) e ao mesmo tempo uma viagem para dentro dos seres humanos, nós mesmos (uma visita à vasta geografia humana que compomos). Algo que somente as grandes obras literárias conseguem proporcionar.
Se não quiser ler, ao menos fique com o primeiro parágrafo do livro, considerado um dos mais criativos (ou interessantes) por críticos e leitores do mundo todo:


"Uma pressão barométrica mínima pairava sobre o Atlântico; dirigia-se para leste, rumo à pressão máxima instalada sobre a Rússia, e ainda não mostrava tendência de se desviar dela para o norte. As isotermas e isóteras cumpriam suas funções. A temperatura do ar estava numa relação correta com a temperatura média do ano, a do mês mais frio e a do mês mais quente e a oscilação aperiódica mensal. O nascer e o pôr do Sol e da Lua, a variação do brilho da Lua, de Vênus, do anel de Saturno, e outros fenômenos importantes transcorriam segundo as previsões dos anuários de astronomia. O vapor d'água no ar estava na fase de maior distensão, a umidade era baixa. Numa frase que, embora antiquada, descreve bem as condições: era um belo dia de agosto de 1913."

Robert Musil - O homem sem qualidades, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1989, p. 9
Ferreira.Souza 14/10/2020minha estante
sensível, importante ler




Aline.Rodrigues 17/01/2022

O livro da indefinição
O homem sem qualidades é um ensaio redundante sobre a indefinição. A impressão que se tem, que a história, os personagens, são meras desculpas para Musil expor os seus questionamentos quanto à existência, o sentido do ser humano no mundo e a relação deste com a realidade (homem de ação X homem de pensamento).

O personagem principal Ulrich se tornou um dos meus preferidos. Ele é aquele denominado sem qualidades, indefinido, sarcástico e pertubador. Ulrich questiona a moral da sociedade do início do século 20, expondo o absurdo da falta de sentido da existência, focando na contradição do homem do "sentimento" X homem "real".

Interessante também a crítica trazida através da "Ação paralela", grupo criado com o intuito de "fazer história", mas que se enreda na angustiante busca de uma causa superior.

Apesar do livro não ter sido terminado, consegue atingir o seu intento: termino a leitura muito tocada e reflexiva.

Um livro fantástico.
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Gininha 09/04/2010


O Homem sem Qualidades

No início, pensei tratar-se de um registro romanceado da decadência do império austro-húngaro, mas logo se percebe tratar-se de um estilo literário denso, transcendendo uma mera narrativa, até mesmo um romance, diria mesmo que a esse livro não cabe rótulos. A ação se passa na Áustria, é verdade, há um personagem principal, Ulrich, e isso é pretexto para Musil expor suas impressões sobre as coisas, pessoas, mundo. Já na expressão “homem sem qualidade”, uma dubiedade terminológica: Não se trata de traçar perfis de um homem destituído de valores morais; “qualidade”, aqui, significa antes propriedade, particularidade, adjetivo, característica, talvez. Um conceito que faz lembrar um texto de Aristóteles. Em sua metafísica, o filósofo grego fala de um mundo constituído de substâncias, que ele chama “formas” (“forma é substância”). O que existe são formas, substâncias, sendo a ideia posterior à forma. É com a ideia que se dá nome às formas, às substâncias, mas estas existem por si, independentemente do que se possa pensar delas. Pensando-se nas formas, logo surgem as propriedades das substâncias, de sorte que tais propriedades são, já, um conceito de valor (isto é grande, aquilo é pequeno; isto alto, aquilo é baixo; isto é largo, aquilo é estreito...). E, também, há os valores puramente estéticos: isto é belo, aquilo não é belo; isso é gostoso, aquilo não é etc. Por exemplo: Analise-se o conceito de “frieza” de um ser humano – Um assassino perpetrou o crime com absoluta frieza de espírito; nesse caso, “frieza” tem conotação negativa, abominável mesmo. Contudo, espera-se uma frieza de espírito por parte de um cirurgião, ao realizar uma cirurgia, o corte, a extração de um tecido doente deve ser realizada com fria perícia, para que a operação seja bem sucedida; frieza, nesse caso, é um atributo louvável. Pois bem, Musil pensa num homem, num ente sem o obstáculo da ideia, um homem sem qualidade, uma substância. Mas também pode-se dizer que o livro é um romance, pois narra as vivências experimentadas pelo personagem Ulrich, no contexto que antecede à I Guerra Mundial. Depois de muito viajar pelo mundo, Ulrich retorna à Viena, convive nas altas rodas de Viena e, aí, surgem personagens cônscios de um poder com enorme influência no mundo das economias, das políticas, porém um poder que começa a escapar daquilo que um dia constituiu o grande Império Austro-Húngaro. Esses personagens, caquéticas figuras em declínio, face a novas forças mundiais que reivindicam um novo status na ordem das coisas, aparecem, com seus conceitos rigidamente estabelecidos, suas ilusões de poder e que Musil retrata com aguda ironia. Todos esses personagens, todos os fatos narrados, o desenrolar da história, mais parecem pano de fundo para as reflexões que Musil desenvolve sobre a ética, a estética, a psicologia humana, os sentimentos – não importa se nobres ou vís -, tratando-os todos como formas-pensamentos, e não como “qualidades”, “atributos” bons ou maus. O Homem sem Qualidade, se rotulado como romance, é, antes, um romance filosófico, um ensaio da natureza humana, cru, sem concessões, mas nem por isso destituído de fina e requintadíssima sensibilidade, talvez de desencanto. Interessante é como “o olhar pela janela” é um recurso recorrente em outros livros de Musil (O Jovem Törless, por exemplo) e, nesse sentido, uma imagem, neste O Homem sem Qualidade, ficou como que fotografada indelevelmente na minha memória: Ulrich, encostado numa grande janela de vidro, deixa-se passar horas absorto, olhando a rua lá fora, o tempo cinzento e gelado, a neve caindo, vultos com grossas capas escuras passando... Dou cinco estrelas a essa instigante construção literária e reconheço não ser um texto assim, tão fácil de se ler.

Vital 09/02/2012minha estante
Parabéns pelo comentário! Acabei de ler "o homem sem qualidades" e, de fato, não se trata de um texto fácil de ler, muito pelo contrário. A propósito, penso que o termo "romance-filosófico" utilizado por você é bastante apropriado para obra.


Alan Mello 08/09/2014minha estante
Gininha, fantástica resenha, adorei!
esse é um dos livros que li, (logo irei reler e reler) e que nunca abandonarei. Existe uma nova tradução dele, feira pelo João Barrento(da área de filosofia) e saiu em Portugal, pela editora Dom Quixote. A tradução que temos é excelente, mas essa de Portugal parece ter ficado melhor ainda, respeitando os termos filosóficos encontrados no caminho, sem perder a linha de pensamento. Um trabalho Genial, editado em 3 volumes. Acrescento algo aqui, o livro também pode ser reconhecido como Romance-Ensaio ou Bildungsroman (Romance de Formação), que são termos que cabem bem para descrever o que é esse espetáculo literário, mas concordo com o Thomas Mann que diz que sobre o livro não ser mais um romance, a partir de uma citação de Goethe que transcrevo aqui: "o espécime perfeito supera necessariamente sua espécie, para vir a ser algo de novo e incomparável!"


Daniel 21/05/2015minha estante
Queridos amigos a minha edição tem mais páginas do que esta citada.




@cinthia.lereplanejar 11/07/2020

Reflexões sobre a vida
O livro trata sobre a história de Ulrich, matemático de 32 anos. Que sob influência da prima Diomita, ingressa na Ação Paralela, onde se reunem vários intelectuais.
Ulrich faz importantes reflexões e que nos faz questionar sobre ela na nossa vida tbm. Confesso! Me peguei várias vezes dando uma de Ulrich kkkk
Além de reflexões filosóficas, o romance trata sobre adultério e incesto.
Uma pena não ter sua continuação. Mas a leitura vale muito a pena.
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Wagner47 20/09/2020

Alma e Loucura
Definitivamente é o livro mais difícil que li na minha vida. Adoro conhecer o íntimo dos personagens, mas aqui foi no interior do interior do interior de cada um
Pela obra ser incompleta, muitos personagens ficaram sem um destino encaminhado e algumas relações vão ficar na imaginação do leitor. Porém a edição traz uma nota de tradução a respeito de outros capítulos modificados pelo autor, mas que não foram liberados para impressão (diferente dos 20 últimos do livro). E a julgar pela o obra, faz muito sentido (o que é deveras preocupante)

Ao mesmo tempo que a obra se beneficia por ser longa e portanto destrinchar os personagens, por muitos e muitos momentos me questionei se era realmente necessário, como acontecia de quando mudavam de assunto para só no final do capítulo retomarem os pontos importantes.

Ulo é um dos personagens mais complexos e ao mesmo tempo simples que já tive o prazer de conhecer.
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Tiago600 22/04/2021

Espelho do Espelho
Século XXI, assolados por uma esterilidade financeira e por uma peste que lentamente se espalha pela terra como um glaucoma gelado, observamos a morte que tenciona roubar nossos olhos, selar nossas bocas com terra, fazendo com que vários nomes sigam seu débil fluxo como borboletas noturnas batendo continuamente contra um tubo de vidro da lamparina.

Dia a dia (assim que tomamos a corajosa atitude de levantarmos de nossas camas), nos recordamos de como eram nossos sonhos e projeções, do dia anterior, na noite anterior, eles eram tão remotos quanto a infância. E, misturados ao medo, essa dor por uma vida feliz; que quase nunca desfrutamos e provisoriamente perdermos.
Diante desse hostil e infértil terreno de incertezas, através do esgotamento perpétuo de palavras e ideias, o "Homem sem Qualidades" segue sendo assombrosamente ... moderno! Obra híbrida, singular, de difícil rotulação. Enquanto em Proust, são as Madeleines, pedras de Veneza e etc que trazem à tona reminiscências e pontuam momentos, aqui, é o homem e o embate entre carne versus alma que assumem por consequência o objetivo de ditar o tom da história.
Musil, dotado da sutileza de um senciente sábio mago, desembainhou seu sabre e com maestria arte da esgrima, duelou com o esvaziamento das palavras, legando com isso para a posterioridade não um livro, mas sim uma tapeçaria do tempo, e só o fez desse modo, pois sabia que filósofos e escritores são déspotas que não dispõe de nenhum exército, por isso submetem o mundo todo encerrando-o em um sistema. O homem não é um ser que ensina, é um ser que vive, age e atua! É como um ator que perde a consciência dos bastidores e da maquilagem, e pensa estar atuando de verdade, que o ser humano de hoje pode, quando muito, esquecer o incerto pano de fundo de doutrina, do qual dependem todos seus atos!

A obra é monumental, transforma, deixa o corpo febril e inflama os olhos tal qual o coração de uma papoula, alçando o leitor por regiões utópicas que ficam em algum lugar e em lugar nenhum entre uma ternura infinita e uma infinita solidão. Atravessar a estrada dessas páginas (apesar de intenso) é imensamente gratificante, pois em certo ponto, me foi fácil imaginar seres de uma outra época caminhando por essa mesma estrada antes que o mundo escurecesse.
Por fim, entre vários pensamentos, me peguei divagando sobre o que posso fazer, pois, pela minha alma, que reside em mim como um enigma irresolvido? Que deixa ao "homem" visível o maior arbítrio, porque não o consegue dominar de maneira alguma.

Janaina.Vidal 23/04/2021minha estante
Está sendo uma leitura desafiadora para mim... Por vezes me vi na vontade de abandonar.


Tiago600 28/04/2021minha estante
Totalmente compreensível seu sentimento, o livro realmente exige muito do leitor. Ao término da leitura, o sentimento que mais se destaca é de como valeu a pena toda trajetória. Ainda assim, se tiver muito, muito penoso, ou pesado, deixe de lado por um tempo e retome algum dia. Falo por experiência própria. Há dois anos atrás tentei ler e abandonei na página 200. Esse ano coloquei como meta e rolou.




LP_Chaun 03/06/2021

Prolixo
O livro em si é uma obra prima e um monumento ao exercício filosófico, a história é apenas um pretexto para o desenvolvimento de idéias o que fica claro pela erudição exagerada dos personagens.
Não me entendam mal, adorei a obra, mas sinto que ela não é acessível a todos, o que é uma pena.
Eu recomendo principalmente para aqueles que não se cansam com extrapolações metafísicas.
Musil quase entrou no meu panteão que destino a nomes como Victor Hugo, mas pecou com a falta de objetividade, não sou ninguém para julgar esse monstro literário, porém a sua obra longe de ser acessível é uma bela torre de marfim destinada aos pares.
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Biu.V 23/03/2009

Uma estória que parece caótica, em um livro prolixo, mas nunca deixa de ser agradável de se ler, de repente voce descobre o homem de qualidade em reverso ao homem sem qualidade. Me acostumei ao livro e não queria que acabasse mais. Um ótimo livro e deixa saudades.


Ricardo Rocha 16/05/2011

excitação peculiar diante de dificuldades
O homem sem qualidades é, sabidamente, um dos romances mais atribulados da História. E, não bastassem os problemas de Musil com as edições, a mudança do projeto inicial, a guerra etc, a crise pessoal do escritor afetou diretamente o desenvolvimento da trama. Isso é o que se sabe. O que se pode deduzir é que a questão dos irmãos sofre hesitações ao longo do texto. O incesto precisa ser explícito? Não poderia haver o êxtase de um elo místico entre eles, mesmo de forma toda e plenamente espiritual? “mas não, era espiritual e físico; o fogo que irrompera como centelha inicial continuava ardendo debaixo das cinzas. Talvez se devesse dizer: a alma de Ágata procurava outra maneira de arder livremente”. Talvez. Ou não. Quem sabe. De súbito, o autor, que na primeira parte de sua obra se mostrava tão cheio de si, levando junto o protagonista, agora parece já não estar certo de muita coisa. Gosto mais do novo Ulrich. O grande problema da fase anterior do livro era exatamente essa sabedoria quase arrogante. Só me pergunto se não teria havido maneira de enxugar essa fase anterior.

Cresce ao longo dessa fase a visão de mundo à parte para cada pessoa no mundo. Uma justiça subjetiva se choca contra regras demasiado claras. Meia-tonalidade pouco usual. O homem sem qualidades pede pela vida do assassino porque é um demente, e portanto “ele não tem culpa”. Quanto à sua salvadora, com seu horror enevoando aquela felicidade radiante, será perdoada porque “não era lasciva mas sensual, como outras pessoas têm lá seus problemas, por exemplo, corar com facilidade. Nascera assim e não o conseguia evitar. Tornara-se vítima de uma paixão e que depois de breve e intensa luta transformou-se em emoções secretas e proibidas, continuando então como alternantes acessos de pecado e remorso”. Em meio a reflexões filosóficas e cenas corriqueiras, é possível entender por que tudo se tornará secundário quando Ulrich reencontrar Ágata, sua irmã esquecida, com quem ele não se encontrara desde sua infância. Fundam um lar comum e partem para a busca de um outro estado de consciência. Ele estava “provavelmente superexcitado pelo trabalho e o tédio, mas não achou tão ruim assim escutar vozes. ‘Temos um segundo lar, onde tudo o que fazemos é inocente’”. O desejo ardente de escutar só a alma deixa livre um espaço imensurável e almas puras podem então cometer delitos. Em compensação, sempre que uma alma recebe um sistema de preceitos, condições e regulamentos que tem de cumprir antes de poder pensar em ser uma alma digna, sua incandescência é dirigida, como a de um alto-forno para belos moldes de areia.

Imagino que o título sugere atributos, propriedades, etc, que só se apóiam na tradição, nos tabus, enfim, que se cristalizam de fora para dentro, não ressoam em Ulrich, Ele vai do cinismo ao desejo de santidade sem passar ou ostentar por qualquer “qualidade” desse tipo, em mais um romance que enfoca a decadência da sociedade e dos sistemas humanos naquele século que, dizem, deveria ter ido até cerca de 1914 etc. Essa dissolução do protagonista encontra um auge no reencontro com a irmã.

Ulrich sente, diante dela e dos problemas que ela enfrenta, causados por circunstâncias já do passado, a excitação peculiar diante de dificuldades e a possibilidade de ultrapassa-las, mas se chateia com isso, pois agita as paixões exteriores, enquanto as interiores permanecem intocadas . Tudo na verdade está aqui resumido. É assim que a gente vive, infelizmente. Se exalta por coisas que nada tem a ver e essa exaltação passa batido pelas verdadeiras questões. A insegurança do ser humano que, vivendo entre outros, deseja algo diferente deles, oprimia o coração de Ulrich. Talvez ali estivesse tudo, a raça, a ligação, o não-pessoal, a torrente da hereditariedade da qual somos apenas um pequeno arrepio, a limitação, o desencorajamento, o eterno repetir-se e girar em círculo do espírito, que odiava do fundo de sua vontade de viver – porque é isso, todo o tempo, ou a vontade de viver ou a acomodação ao que nos é oferecido como vida.

O amor entre os irmãos existe numa experiência corporal, que faz parte das excitações epidérmicas e pode ser evocado como mera excitação agradável sem conteúdo moral, sem sentimentos e movimentos emocionais que se ligam intensamente à experiência física? E também na alma? “Só quando encontrara seu irmão acontecera uma mudança. Nos aposentos vazios, escavados nas sombras da solidão, até há pouco ainda repletos de diálogo e comunhão que entravam no mais fundo da alma, perdia-se involuntariamente a distinção entre separação física e presença espiritual, e enquanto os dias deslizavam sem marcas peculiares, Ágata sentia-se como nunca antes sensível ao singular encanto da onipresença e onipotência ligadas à transição do mundo dos sentimentos ao das percepções”. Enfim, O homem sem qualidades mistura tramas, aborda temas polêmicos sob o ponto de vista filosófico e psicológico, mantém uma peculiar noção de moral, e por tudo isso é uma leitura que tanto pode ser muito gratificante ou até enfadonha, dependendo do momento. O que da primeira à ultima página permanece é uma escrita muito além da média e talvez além da média dos grandes escritores.
Gininha 05/06/2011minha estante
Wagner, nosso amigo em comum, tem razão. Tanto que penso em deletar a resenha que fiz sobre esse livro, depois que li a sua, Ricardo. Parabéns! Musil não é fácil.


Sandra 24/06/2013minha estante
Ótimas resenhas!!!
Estou louca para ler esse livro há tempos...




Júlio 19/02/2019

O Homem sem Qualidades relata o declínio intelectual, moral e filosófico da sociedade austríaca às vésperas da Primeira Guerra Mundial. É uma obra que além dos temas sociais e individuais –como o existencialismo- contém uma infinidade de temas filosóficos mais abrangentes e metafísicos, como a própria formação de uma ideia. Por toda a obra paira ao sentimento de grandeza. Não é à toa que nome mais citado por Musil durante toda obra é o de Goethe, autor em que Musil parece ter uma dívida a saudar.

Logo no início somos introduzidos a Ulrich, o próprio homem sem qualidades, que obtém tal apelido dos amigos por não estar apegado as virtudes e normas sociais que regem a vida de seus pares. Ele é descrito como sendo indiferente à todos ao seu redor, vivendo a vida em um limbo analítico. É nas interações de Ulrich com os demais personagens que encontramos a medula da obra.

Os eventos ao redor dos personagens –cerca de 3 dúzias- parecem ser apenas o veículo, o destino se encontra nos diálogos que os personagens tem sobre tais eventos e sobre si mesmos. Para mim a genialidade da obra está no desenvolvimento psicológico e filosófico de cada personagem, feita de maneira singular e criando indivíduos que são intelectualmente complexos. São nas interações, nesses diálogos socráticos que Musil mostra sua habilidade como criador.

Um dos grandes veículos na trama é a Ação Paralela, uma organização feita para mostrar a superioridade moral e intelectual do povo Austríaco sobre o resto da Europa. Nesse meio transitam diplomatas, escritores, militares, condes e todo tipo de personagem da aristocracia austríaca, com o objetivo de se unirem para criar um grande evento –ou uma grande ideia- que irá honrar os 70 anos de reinado do imperador Franz Joseph. Mas obviamente a motivação é sobrepujar as demais nações, principalmente a Alemanha. A ironia fica pelo conhecimento que temos dos eventos que irão se seguir (mas que na obra nunca chegam a acontecer) na Europa. Um dos personagens, o diplomata Tuzzi, chega a confessar em particular a Ulrich sobre a situação da Áustria perante as demais nações, dizendo que o país era intimidado pela Alemanha, limitado pela Itália e subordinado à França. Um dos poucos momentos de lucidez e sinceridade em meio dos diálogos e ideias supérfluos.

O segundo grande veículo –que na realidade é o primeiro a ser apresentado, mas recebe menos atenção que a Ação Paralela- é a introdução do personagem Moosbrugger, assassino e estuprador que causa fascínio e curiosidade aos amigos de Ulrich. Através de diversos pontos de vistas sobre o assassino e seus feitos os personagens aprofundam seus pontos de vista sobre moral e justiça. Mas não só nas reflexões e diálogos é que se encontra a beleza da obra, as descrições de eventos são sempre coloridas e cheias de vida, dando fôlego para a narrativa. Inclusive um dos episódios mais marcantes do livro para mim foi a visita da trupe ao manicômio, realizada de forma sóbria e viva, mostrando os diversos níveis de reação dos personagens perante a degradação humana na sua forma mais extrema.

Na literatura poucos mestres foram capazes de criar personagens com tamanha vivacidade, Flaubert, Proust, Tosltoy e Shakespeare, por exemplo, conseguiram tal feito, e Musil merece constar entre eles. Porém ao invés de descrever a psique através de gestos singelos, nuances de personalidade, Musil cria uma linha de pensamento própria para cada um de seus personagens, indo ao ponto de mostrar a metodologia rigorosa de Ulrich em seus ensaios filosóficos. Seria possível gastar páginas descrevendo um só personagem do livro devido à riqueza que encontramos em cada indivíduo. Um desses grandes exemplos, além do próprio Ulrich, é Ágata.

Ágata é irmã do personagem principal, só introduzida na trama após a segunda metade do livro. A relação quase incestuosa entre os irmãos se mostra como o terceiro grande veículo do livro e ofusca todos os pontos antigos que pareciam ser importantes. O assassino e a Ação Paralela somem de cena e Ágata aparece, ofuscante, como novo centro. É talvez uma das criações mais complexas do autor, e ele dedica à ela um dos capítulos mais belos da obra, onde ao descrever a sensação de tédio em uma tarde solitária ao observar sua imagem no espelho temos uma evolução narrativa que acaba em uma descrição profunda, e belíssima, da psique de Ágata. É incrível como o autor consegue criar uma personagem que compartilha do mesmo alheamento de Ulrich, porém de natureza totalmente diversa. Aliás, é necessário comentar que as quatro personagens femininas principais -Clarissa, Diótima, Ágata e Bonadeia- são todas incríveis, mais ricas e complexas que boa parte do elenco masculino. Dá para sentir que Musil dedicou muito mais tempo para pintar suas personagens femininas do que os masculinos.

É triste que a obra não tenha uma conclusão. Para muitos será uma tarefa ingrata encarar as 1200 páginas do texto e saber que ao fim nenhuma ideia, nenhum personagem, vai chegar a algum semblante de conclusão. Mas O Homem sem Qualidades é o maior exemplo possível de que a jornada tem mais importância que o destino. Vemos que o autor aparentava estar longe de concluir a obra pois perto do final somos introduzidos à outra de suas criações maravilhosas, o professor Lindner que prometia acrescentar ainda mais complexidade na relação entre Ulrich e Ágata. Além disso somos introduzidos aos manuscritos de Ulrich, que tentam desvendar e achar uma razão, ou ao menos uma descrição plausível, através de solilóquios complicados, para o amor, para o sentimento e sobre a própria natureza da realidade. É uma escrita complexa, como todas as partes filosóficas da obra, que requer atenção redobrada por parte do leitor.

Existe muito que merece ser mencionado, mas não é possível fazer jus ao massivo elenco em uma simples resenha. Arnheim, Walter, Stum, Gerda, Hans, Solimão, Rachel, todos e muitos mais mereciam ao menos alguns parágrafos de atenção. Além disso temas como infidelidade, racismo, antissemitismo, religião, pátria e cultura podem ser amplamente explorados. Porém Musil criou uma obra monumental que não pode ser abreviada em poucas linhas. Aliás, monumental é o melhor adjetivo para descrever o livro e sua inalcançável ambição.
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Ebenézer 09/01/2021

SE HÁ DESENCANTO O CULPADO SOU EU
Tenho pouca dificuldade para reconhecer minhas limitações como leitor sobretudo de obras densas, longas e complexas. Mesmo assim, resiliente diante de desafios literários, me recuso abandonar autor e obra no meio do caminho.
O Homem sem Qualidades não é um romance igual a tantos de domínio público cuja leitura flui não importando se o vento sopra a sotavento ou barlavento. O livro de Robert Musil muitas vezes nem venta para o leitor. O Homem sem Qualidades traz um vetor filosófico que percorre a obra tornando-a complexa, hermética e, até, indevassável. Penso, pois, que seria muita pretensão minha querer desvendar numa leitura única a extensa obra construída diligentemente durante anos a fio.
Se pudesse fazer uma comparação em termos de compreensão e profundidade, a leitura de O Homem sem Qualidades está para a literatura como para o turista a visita de grandes monumentos históricos: viu tudo, fotografou muito e, findo o exaustivo passeio, tem a certeza de ter se encantado muito, e todavia, com a igual convicção de ter compreendido muito pouco de tudo que viu e, mesmo assim, confessa ter valido a pena o investimento dispendido.
A obra é eminentente cerebral cujos capítulos trazem pouca conexão entre si que estimulem no leitor a expectativa de uma trama eletrizante, empolgante ou emocionante (a bem da verdade parece ser essa a busca do leitor mediano). Muito ao contrário, o leitor está certo que cada parágrafo é um desafio que se lhe impõe.
O Homem sem Qualidades não é, por tudo isso, uma leitura fácil; a escrita exige muito do leitor de modo contínuo e permanente.
O livro de Musil é para poucos pela extensão, pela complexidade, pelo estilo, pela temática.
Por tais qualificativos não é por acaso que o autor é considerado no nível intelectual de outros gênios da literatura como Proust e Joyce.
O turista foi longe visitou o Louvre, a Sacre Coeur, a Catedral Notre Dame, a Torre Eiffel, entre outros, e guarda de tudo (apenas) fortes e boas lembranças "en passant"...
Guardarei igualmente as boas memórias compreendidas e entendidas dO Homem sem Qualidades: Kakânia, Ulrich, Diotima, Tuzzi, Bonadeia, Walter, Clarice, Ágata, Hagauer, Moosbrugger...seus dilemas, suas histórias, seus conflitos e suas filosofias que me fizeram nelas refletir e que enriqueceram a minha vida.
Ulrich, por seu inusitado "caráter", sintetiza bem a essência da natureza humana ambígua e cinzenta: "...os crimes estão no ar e apenas procuram um caminho de mínima resistência que os leve a determinadas pessoas."
Não serei ingrato deixando de homenagear inúmeros instantes de puro encantamento na obra de cujos trechos, por sua sensibilidade, não me aprazia avançar na leitura.
É assim, para mim, O Homem sem Qualidades: um livro que apreciei com sentimentos contraditórios e intensidades desiguais, gostando e odiando.
Robson Barros 06/08/2023minha estante
Ótima a sua resenha. Identifiquei muito, inclusive com os muitos instantes de puro encantamento ...


Ebenézer 09/08/2023minha estante
Grato por seu comentário. Abs




Francisco240 08/12/2022

Bem confuso, profundo, experimental e clássico nato
O homem sem qualidades é definitivamente um clássico que estava bem à frente do seu tempo.
Mulsil viu vai através da sua escrita Vai expressar de maneira ágil e Mas antigo dia dia de pessoas comuns e de alta classe na Áustria antes da primeira guerra mundial.
E o curioso é que no decorrer da narrativa vai se misturando com o gênero ensaio, isso fica mais forte nas páginas finais do livro, pois o leitor fica um tanto quanto perdido, por não saber se está lendo um ensaio ou a narrativa explanada.
Uma pressão barométrica mínima pairava sobre o Atlântico; dirigia-se para leste, rumo à pressão máxima instalada sobre a Rússia, e ainda não mostrava tendência de se desviar dela para o norte. As isotermas e isóteras cumpriam suas funções. A temperatura do ar estava numa relação correta com a temperatura média do ano, a do mês mais frio e a do mês mais quente e a oscilação aperiódica mensal. O nascer e o pôr do sol e da lua, a variação do brilho da lua, de Vênus, do anel de Saturno, e outros fenômenos importantes transcorriam segundo as previsões dos anuários de astronomia. O vapor d?água no ar estava na fase de maior distensão, a umidade era baixa. Numa frase que, embora antiquada, descreve bem as condições: era um belo dia de agosto de 1913.
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Carlos 09/09/2017

O Homem Sem Qualidades
Com soberba elegância, inteligência, humor e ironia, este romance que começa com uma ação corriqueira que situa o leitor no tempo e espaço de forma competente, desemboca em uma grande digressão sobre a própria existência humana.

Sentimento e ideia, sentido, sociedade, busca da verdade, sanidade, sensualidade, lógica científica, moral, caos e ordem. Enquanto complexos personagens são invadidos em seu interior, flagrados em pensamentos e ações que dizem tanto de sua singularidade expressiva quanto da condição humana num plano geral, o autor vai costurando fatos em torno de um mundo em seu caminho inexorável para o conflito e a guerra, a desconstrução de uma tradição monárquica, a modernidade com toda o seu frenesi e desconforto e uma pouco definida nova ordem social.

Personagens intensos e densos caminhando para uma tensão incestuosa, atores sociais desfilando vaidades e inseguranças, pensadores mergulhados em conflituosas reflexões e debates ( pacifismo x armamentismo, modernidade x tradição, fé x lógica, pensamento x ação, sensualidade x renuncia) vai rascunhando o perfil do ser de uma época de transição, fim e começo, mas sobretudo de perplexidade (ou antes, o seu contrário, a indiferença).

Em tudo, paira o espírito(?) do Homem Sem Qualidades, o personagem isento, sem atributos, imune e inaderente ao juízo de valores, capaz de desconstituir conceitos e desmascarar os aspectos insustentáveis da ação e do pensamento, sugerindo a existência como um grande e instigante romance inacabado que o próprio livro é.

Fantástica experiência!
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Lua 20/02/2022

Um loop infinito
Tudo é permitido a um homem sem qualidades? O livro basicamente afirma que sim. Apesar de ser inacabado não deixa de ser um grande livro! A obra parece acontecer numa estagnação total, ou melhor, nada acontece. A tal ação paralela nada desenvolve, os personagens não mudam e alguns chegam a dar nos nervos. Ulrich, o personagem principal, considerado o homem sem qualidades, é o mais "parado" que já vi. Mas mesmo uma história em que pouco acontece de verdade, tem um conteúdo bastante filosófico e histórico, pois se passa um pouco antes da primeira grande guerra. Não recomendo para quem espera mudanças ou finais para o enredo ou para algum personagem. O livro inteiro é uma história frustrada, onde nada ou quase nada muda e tudo permanece na mesma. E mesmo assim o livro é bom do jeito que é.
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