Natália Tomazeli 29/12/2021Leiam Audre Lorde, mulheres!"A dor é um acontecimento, uma experiência que deve ser reconhecida, nomeada e, então, usada de alguma forma para que a experiência mude, para que seja transformada em outra coisa, seja força, conhecimento ou ação. O sofrimento, por outro lado, é o pesadelo de reviver a dor que não foi investigada e metabolizada. Quando vivo a dor sem reconhecê-la, deliberadamente, eu me privo do poder que pode advir do uso dessa dor, o poder de incitar algum movimento para além dela. Eu me condeno a reviver essa dor, uma vez após a outra, sempre que ela é desencadeada por algo. E isso é sofrimento, um ciclo aparentemente inescapável."
Esse foi um dos melhores livros que eu li em 2021 e virou também um dos meus livros favoritos da vida. Conheci Audre Lorde através dos meus estudos acerca do feminismo, e sabendo dessa visão não heteronormativa dela sobre o feminismo e os relacionamentos, coloquei ela na minha lista obrigatória de leituras, já que venho buscando conhecer a literatura escrita por lésbicas.
Audre foi uma mulher lésbica negra nos Estados Unidos da década de 70 e 80. Poeta, professora e mãe, era ativista dos diretos civis, uma grande potência dentro do movimento negro e um dos maiores nomes dentro do feminismo. Foi ela quem cunhou o conceito de interseccionalidade dentro do feminismo, uma importante ferramenta de análise sem a qual, na minha opinião, o feminismo sequer continuaria existindo. Foi ela também quem primeiro falou sobre o "mulherismo" e sobre mulheres priorizarem mulheres, além de diversos outros conceitos propagados massivamente pelas mulheres feministas do século XXI.
Em uma cerimônia de nomeação africana, antes de sua morte, Lorde recebeu o nome de Gambda Adisa, que significa ?guerreira: ela que faz sua significância conhecida?. E eu acho que esse nome não poderia definir melhor ela! Uma mulher tão importante, com uma trabalho gigante dentro da poesia e com um trabalho teórico de igual tamanho. O "outsider" do título é um conceito explorado através de todo o livro, onde ela fala sobre a relação entre Idade, raça, classe e sexo.
É difícil dissertar sobre o quanto Audre Lorde é uma mulher tão singular. Ela me ajudou em momentos muito sombrios. Diversas foram as madrugadas sendo confortada por ela. Quando eu precisava de uma palavra amiga, ia lá ler um dos ensaios de "Irmã Outsider" e na verdade até hoje faço isso. Ela me acolheu quando honestamente ninguém podia e nem sabia como. As experiências dela, principalmente quando ela fala da vivência lésbica, são para mim, fonte de conforto. Ela ama e muito mais do que isso, ela acredita de coração nas mulheres, acreditava quando ninguém nem ao menos tentava. Confiava no nosso poder criativo de uma maneira tão visceral, tão viva, tão gentil e ao mesmo tempo exigente. Ela tem esperança. Minha coisa favorita nela é como, apesar de tudo, ela ainda tem esperança na humanidade. Ela parece enxergar a verdade e sinceridade onde ninguém mais vê, e quando leio ela, me sinto menos sozinha no mundo.
O que mais me deixa intrigada, é o quanto pouco se fala de Audre (como pessoa) dentro e fora do feminismo. Fui conhecer o nome dela através de uma página que falava sobre visibilidade lésbica. No meio heterossexual, ela ainda é bem pouco mencionada, apesar de suas falas e conceitos (muitas vezes frases e pensamentos inteiros) serem reproduzidos e declamados dentro desse mesmo meio. Isso é ótimo, porque mostra como as idéias "são à prova de balas", aquela coisa bem V de Vingança, mas eu queria muito que também conhecessem a mulher maravilhosa que Audre ainda segue sendo, mesmo após a morte.
"Revolução não é algo que aconteça uma vez e pronto. Revolução é se atentar cada vez mais para as mínimas oportunidades de promover mudanças verdadeiras nas reações estabelecidas e ultrapassadas; é, por exemplo, aprender a abordar com respeito as diferenças que há entre nós."