spoiler visualizarDEA 04/03/2024
Esse livro mantém o mesmo formato dos anteriores onde a autora traz relatos de pessoas envolvidas diretamente ou afetadas pelo assunto abordado, neste caso é sobre a Guerra do Afeganistão (que durou de 1979 a 1989).
No entanto achei confuso em algumas partes, pois diferente dos outros, tem momentos em que a própria autora expressa uma opinião ou relata uma situação que ela vivenciou, mas nem sempre fica muito claro que é ela e depois retorna novamente aos relatos. Outro ponto, no final, terminam os relatos porém sem informar que era o último e repentinamente entra no julgamento da autora (processo levantado por algumas pessoas que participaram no livro).
Embora seja interessante falar sobre isso, já que fica evidente que foi uma perseguição política numa tentativa de controle e abuso de poder para abafar a verdade, visto que os livros da Svetlana trazem a verdade nua e cruel de partes importantes da história da Rússia, os conflitos e as mortes desnecessárias, expondo a violência que os soldados cometeram e as decisões cruéis e absurdas tomadas pelo governo, etc, achei confuso ser inserido de repente, sem um contexto ou um fechamento mais claro dos relatos, ou eu não me atentei a isso (kkk).
No entanto, achei fantástica a resposta da Svetlana em sua defesa, firme, determinada, respeitosa, expondo esses pontos que ninguém quer aceitar, os abusos do governo ou que seu próprio filho cometeu atrocidades em nome da pátria. Sim, a verdade dói literalmente, mas a autora trouxe à tona apesar dos riscos e de todas acusações absurdas.
"Qual é o perigo de qualquer totalitarismo? Eles transformam todos em cúmplices de seus crimes. Bons e maus, ingênuos e pragmáticos..."
"Recolho detalhes e sentimentos não só de uma vida humana individual, mas de todo o ar de um tempo, seu espaço, suas vozes. Não imagino, não invento, eu monto o livro a partir da própria realidade." - Svetlana
No entanto após expor esses pontos negativos, falando sobre o conteúdo, aprendi sobre a guerra do Afeganistão que eu nem sabia que tinha ocorrido (me referindo à participação da Rússia), que inclusive achei uma certa semelhança à guerra do Vietnã onde os EUA não tiveram sucesso e também com inúmeras vidas perdidas, na maioria jovens e inclusive foram muito criticados por isso, gerando protestos na época.
Svetlana traz relatos bem pesados, alguns muito difíceis de digerir, mostrando como qualquer conflito, menor ou maior, sempre é absurdo, sempre é cruel.
Inclusive algo que o livro me fez pensar, eles falam inúmeras vezes que na guerra as regras são outras e que na vida normal matar é crime, é assassinato, mas na guerra se você mata, é herói, até condecorado.
Isso traz inúmeras reflexões. Com que direito temos de tirar vidas? Quantas pessoas inocentes (civis) foram mortas, mutiladas, estupradas, roubadas etc? Famílias inteiras e animais foram mortos de forma fria e cruel, mesmo que não fizesse parte do conflito direto. Quantas crianças foram mortas?
"Matar ou não matar são questões de pós-guerra, a psicologia da própria guerra é mais simples. Lá você não pode ver o inimigo como uma pessoa. Não conseguiria matar."
Inclusive no livro traz detalhes de atitudes dos soldados bem semelhantes aos alemães durante a Segunda Guerra (ou como eles chamam Patriótica), atitudes essas que eles condenaram, mas repetiram com os afegãos.
E falando sobre os soldados em si, o trauma físico, emocional e psicológico? A maioria tinha entre 18 e 20 anos. E seus familiares?
De fato cada vez que conheço mais sobre guerras, mais percebo a insanidade disso e a que ponto a crueldade do homem pode chegar.
"Na guerra tudo é diferente: você, a natureza, seus pensamentos. Aqui eu entendi que o pensamento humano pode ser muito cruel."
Outro ponto que também achei absurdo foi como a Rússia tratou seus soldados com total falta de respeito e interesse, primeiro os soldados mais antigos maltratavam os mais novos (os recém chegados), roubavam seus pertences, os espancavam e humilhavam.
Além disso, a falta de apoio no sentido material por parte do governo, tem mais de um relato que cita que eles comiam alimentos da Segunda Guerra, alimentos vencidos.
"Em nove anos não produzimos nada de novo. O curativo era o mesmo, a tala era a mesma. O soldado soviético é o mais barato. O mais paciente, sem exigências. Não é abastecido, não é protegido. Material consumível. Era assim em 1941... Cinquenta anos depois ainda é assim. Por quê?"
No entanto, ainda nota-se um forte patriotismo, que sabemos que foi embutido desde cedo na infância.
Dei nota 03 principalmente por causa desse formato que deixou a leitura meio cansativa e confusa, mas sem dúvidas foi uma história valiosa, aprendi mais uma parte da história que eu não conhecia.
Cito um trecho que resume tudo:
Ivan Karamázov, de Dostoiévski, observa: "Um animal nunca pode ser tão cruel, tão artística e elaboradamente cruel quanto o ser humano".