Paloma 01/11/2020Tempo AdiadoO Tempo Adiado
"Vem aí dias piores./
O tempo adiado até a nova ordem/
surge no horizonte./
Em breve deves amarrar os sapatos/
e espantar os charcos./
Pois as vísceras dos peixes/
Esfriaram no vento./
A luz da anileira arde pobremente./
Teu olhar pressente a penumbra:/
o tempo adiado até nova ordem/
Desponta no horizonte./
Do outro lado afunda tua amada na areia,/
ele sobe-lhe pelo cabelo esvoaçante,/
ele corta-lhe a palavra,/
ele ordena-lhe silêncio,/
ele encontra-a mortal/
e pronta para a despedida/
depois de cada abraço./
Não olha para trás./
Amarra teus sapatos./
Espanta os cães./
Joga os peixes ao mar./
Anula a anileira!/
Vêm aí dias piores."
Ingeborg Bachmann, 1953.
Essa edição da @todavialivros é de 2020 e tem seleção, tradução e posfácio de @_claudiacavalcanti_ . E que espetáculo de livro!
Poeta e intelectual, Ingeborg Bachmann era austríaca e testemunhou, ainda criança, a invasão nazista em sua cidade natal.
Qual a relação com o tempo que estamos estabelendo nesses dias? E a nossa relação com a morte? A perplexidade diante de sentenças como "E daí?" Ou "Vamos tocar a vida!" não é suficiente. Há algo de brutal nessa linguagem... a mesma brutal e vulgar linguagem que emerge como ameaça no poema de Ingeborg Bachmann.
Tenho lido e relido com deleite e cuidado os poemas de Bachmann durante esse ano. Mas hoje, em um dia de sentimentos estranhos, esse poema me acompanhou desde cedo. Não hesitem diante da genialidade dela!