Jamayra Greyce 17/02/2020
Bom trabalho Matt Ruff
Território Lovecraft: um bom trabalho
"Território Lovecraft" é uma coletânea de oito contos do autor nova iorquino Matt Ruff (1965). Publicada no Brasil pela editora Intrínseca, ela flerta com obras consagradas e caminha entre ficção científica, fantasia e terror. Ademais, pretende ter ritmo cinematográfico: a intensão do autor é que ela seja lida da mesma forma que se maratona uma série. Tanto é que um seriado de fato está previsto para ser exibido pela HBO ainda esse ano, inspirado nessas histórias.
Os contos são ambientados nos anos 50 dos Estados Unidos, época da segregação racial institucionalizada; e protagonizados por personagens majoritariamente negros, embora o autor seja branco. Por conta disso, em minha opinião, o que prestou mais foi a intenção da obra; o resto não tinha como dar muito certo. Vivência não se aprende, se vive. Um leitor branco não vai reparar no quão longe essas narrativas passaram dos sentimentos gerais das pessoas negras ao redor do mundo, mas para mim esse aspecto pesou durante a leitura inteira. Nesse livro, Matt Ruff tratou de tópicos num tom que considerei insensível, de uma forma que, acredito, um autor negro não faria. Além disso, a crítica social prometida me pareceu panfletagem rasa. Enfim, isso tudo são apenas fatos a serem ressaltados; não estava esperando nada diferente, desde o início eu já desconfiava que seria como foi, afinal, ele nasceu branco e morrerá assim, sem saber o que é ser negro - seja lá em qual país ou época. Não sou boba de esperar que um branco produza uma obra esplêndida a respeito de negros algum dia.
De volta à intenção. Acredito que situações como essas, do autor branco etc, são uma espécie de mal necessário. Até que tenhamos autores negros o suficiente contando histórias a partir de seu lugar de fala, alguém tem que fazer alguma coisa. E Matt Ruff fez. Graças a ele esse livro existe e chegou até aqui. Assim, leitores brancos vão saber pelo menos um pouco a respeito da ponta do iceberg. Além disso, essa é a única história desse estilo, com personagens afrodescendentes, que tenho ciência. Sem falar na série! Nela os negros envolvidos poderão, espero, ajustar o que for necessário. Essas coisas são muito mais do que os meus tiveram a vida toda, a pouquíssimo tempo atrás, e reconheço isso. Para nós as coisas são péssimas hoje, mas já foram inacreditavelmente piores, como é relembrado em "Território Lovecraft".
Agora sobre os contos mesmo, real oficial. Matt Ruff realmente tem bom humor; eu sorri e ri e gargalhei várias vezes! Em contrapartida, houveram os momentos terríveis: teve uma hora, por exemplo, que tive que parar de ler pra chorar, chorei TANTO, pq o lance foi muito pesado mesmo, vcs não estão ENTENDENDO.
O cerne da trama toda me satisfez. Gostei de como os elementos se conectam entre uma história e outra e como o mistério só aumenta a cada uma. Ao meu ver, Ruff realmente domina esse lance de conto; as coisas começam, seguem e terminam nos limites breves desse gênero, mas de um jeito redondinho que me causaram bastante admiração. Queria escrever do jeito dele!! Kkkkk
Dois contos me impressionaram demais, no bom sentido: o protagonizado por Ruby e outro por Horace. [Calma, não vou dar spolier]. No primeiro eu adorei a obra relacionada (não posso contar qual!). Já no segundo, foi impactada emocionalmente: fiquei nervosa, com o coração palpitando e senti medo, pq o trem pegou no jeito viu kkkkk. Por fim, apenas um final, de uma personagem, me deixou putassa, não gostei mesmo mano! Meu deus, a raiva. Fora isso, curti todas as demais conclusões.
Essa foi uma leitura difícil, por conta da temática, que é especialmente dolorosa pra mim; do gênero, que eu não curto; da ressaca que estava me consumindo desde "Dom Casmurro"; enfim, nada fácil. Mas por final o saldo foi positivo e esse é um livro que eu recomendaria a muitos leitores em várias ocasiões.