Lívia.Beatrice 16/01/2023
Uma resenha difícil de escrever
Hoje consigo entender o motivo de postergar tanto para escrever a resenha deste livro: é uma das resenhas mais difíceis que me proponho a fazer. Contraponho com a facilidade que tive em escrever sobre O Filho de Mil Homens, livro do mesmo autor e que me apaixonei perdidamente. O motivo da dificuldade não se trata de não ser um livro tão bom quanto, a máquina de fazer espanhóis é uma história arrebatadora, porém com temas que fogem da minha zona de conforto em todos os sentidos.
Como uma brasileira que voltou recentemente a suas origens portuguesas, me propus ler mais narrativas não só de autores portugueses, mas também com temáticas específicas do povo. Então, introduzo uma descrição deste livro dizendo que, a máquina de fazer espanhóis, na verdade, trata profundamente do Português.
António Jorge da Silva, ou senhor Silva, está no hospital quando sabe da morte da esposa, sua parceira há quase 50 anos. Como se o sofrimento não fosse suficiente, ele é enviado pela filha para um lar para idosos. Silva não se esforça para se adaptar à nova vida, quiçá abandonar sua amargura da perda. Com 84 anos, lhe falta disposição para o que lhe resta de tempo.
Todo contexto me é distante: a velhice, o abandono, a proximidade da morte, às críticas religiosas e até a ditadura. Porém, não há um momento em que eu não fique deslumbrada com o lirismo de Valter Hugo Mãe. Eu me perdi e me encontrei muitas vezes nas diversas reflexões, metáforas, nos problemas e até na leveza de alguns momentos.
Com 84 anos, Silva entende que ainda não viveu tudo, e que precisou “deste resto de solidão para aprender sobre esse resto de amizade”. Com uma vida dedicada à família, são as novas amizades que lhe dão fôlego para seus últimos suspiros.
Um livro emocionante, mas não do tipo que nos faz chorar. Por que? Pelo simples fato se ser construído na lucidez dos momentos e das palavras. Silva detalha sua inconformidade com a morte da esposa, detalha suas dores e fraquezas, de corpo e alma, suas reflexões sobre a morte e a vida, mas segue com sua obrigação de continuar vivo e seguir em frente.
Neste livro, também nos deparamos com partes importantes da história de Portugal: a ditadura salazarista e a mais recente aproximação do país com o restante da Europa.
Seria então, a máquina de fazer espanhóis algo positivo? Entrarmos em uma máquina e sairmos de lá diferente? Este é o grande ponto de Valter Hugo Mãe. Isso ocorre quando entramos numa ditadura, assim como se entrássemos em um asilo, e até se considerarmos imigrantes entrando em um novo país.
Teria eu, uma brasileira com sangue português, acabado de entrar nesta máquina?