O poder americano e os novos mandarins

O poder americano e os novos mandarins Noam Chomsky
Noam Chomsky (Em Português)




Resenhas - O poder americano e os novos mandarins


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Ricardo Silas 27/11/2015

Um dos melhores livros de Noam Chomsky
O ativismo político de Noam Chomsky teve destaque com o lançamento deste primeiro livro, O poder americano e os novos mandarins, que foi uma das maiores referências para os militantes que antagonizaram a Guerra do Vietnã. Na época, quando já havia conquistado certa notoriedade por suas revolucionárias descobertas no ramo da linguística, Chomsky não conseguiu se calar e nem se encolher diante da contagiante corrupção intelectual que se disseminava nos espaços acadêmicos, em especial, na mídia e nos programas do governo americano. Poucos intelectuais tiveram a coragem de nadar contra a maré para denunciar os crimes cometidos pelos Estados Unidos em solo vietnamita. Não menos preocupante era a direção que o sentimentalismo ianque estava tomando, algo que beirava a completa ingenuidade de confiar cegamente numa suposta bondade do imperialismo. Do período pós-Segunda Guerra em diante, os americanos começaram a afundar em uma espécie de areia-movediça ideológica, com um pensamento patriótico e impregnado de síndrome do pânico anti-comunista. Ou seja, o clima não estava propício para os dissidentes entrarem em cena, e qualquer manifestação contrária aos "interesses nacionais" poderia ser tomada como uma profanação, uma blasfêmia à soberania estadunidense. Era este o cenário.

A partir disso, os poucos e renomados intelectuais que escaparam da doutrinação assumiram o compromisso de informar as massas populares sobre verdadeiro significado da invasão das tropas americanas no Vietnã do Sul. O que parecia uma missão de contenção do comunismo, o que parecia uma missão de levar a paz aos países subdesenvolvidos do sudeste asiático, demonstrou-se como um dos maiores crimes internacionais já praticados pelo governo norte-americano. O Vietnã acabara de se emancipar de seus colonizadores franceses e, no final da Segunda Guerra Mundial, foi logo invadido pelo império japonês, que inflamou as feridas daquele país quase inteiramente arruinado. Então, a Conferência de Genebra de 1954 propôs um acordo que levaria à resolução dos conflitos na Indochina e península coreana. Na Indochina estavam países como Laos, Camboja e Vietnã, todos eles politicamente desestabilizados pela recente divisão da Coréia em Norte e Sul. É claro que os EUA, interessados em ampliar o seu império na Ásia, não apreciou o consenso que decidiu, temporariamente, separar o Vietnã em Norte e Sul para que, em 1956, novas eleições reunificassem o país. As eleições seriam internacionalmente apuradas para evitar fraudes ou obstáculos que transgredissem o processo democrático.

Mas, para o desgosto dos EUA, o Vietnã do Norte estava cada vez mais popular, com um partido político chamado FLN (Frente de Libertação Nacional), que representava até 80% dos camponeses vietnamitas, anulando as chances de vitória dos nacionalistas sul-vietnamitas, apoiado pelo governo dos Estados Unidos. Para as potências ocidentais que lideravam o combate ao comunismo, qualquer lampejo de independência nacional incompatível com os desígnios do Tio Sam é imediatamente transformado em “ameaça à segurança interna”. Não é novidade. No sudeste asiático, os EUA tiraram o direito dos próprios vietnamitas de decidirem o destino do seu país. A hegemonia americana não poderia admitir que seus interesses particulares fossem colocados em segundo plano. Somente o império americano, por razões desconhecidas, tinham o direito de escolher quem estava ou não autorizado a se eleger e governar nos países de Terceiro Mundo. Os EUA, com base em seu próprio conceito de “democracia” e de “nacionalismo”, se deram o privilégio de impor sua vontade ao redor do mundo, atropelando qualquer procedimento legal e esmagando os insurgentes com o uso da força militar. Daí seguiu-se os bombardeios aéreos que alvejavam os vilarejos e aldeias, as armas químicas que destruíram plantações e represas, tudo orquestrado pela maquinaria bélica do país mais agressivo do mundo, que semeava nas sociedades livres o prelúdio da aniquilação. Nenhum desobediente estaria em condições de sobreviver ao extermínio.

Contra esse pensamento arbitrário, Noam Chomsky reagiu incansáveis vezes. Graças a ele e a outros que faziam dissidência à Guerra do Vietnã, os movimentos populares começaram a engrossar, a insatisfação social cresceu rapidamente e as pressões contra o então presidente Lyndon Johnson repercutiram pela primeira vez naquela época. Essas e outras conquistas levaram Chomsky a questionar qual é o papel do intelectual. A resposta não é difícil de compreender: a função do intelectual consiste em contar a verdade. Muitas pessoas não dispõem dos privilégios e dos meios necessários para buscarem a verdade por si mesmas. Portanto, o intelectual tem o dever de fazer análises objetivas dos fatos, e de levar as informações de maneira desapaixonada, sem sentimentalismo e sem fazer escândalos ideológicos. Sobre isso, Chomsky escreve um brilhante ensaio em que faz uma autópsia das ideologias e opiniões pró-Guerra do Vietnã.

Todas as incoerências, a hipocrisia e a desonestidade são expostas e, em seguida, aniquiladas, sem nenhuma misericórdia. As respostas dadas aos ideólogos e demagogos, que escondem sua vergonha sob o título de “especialista”, são de uma virtude arrebatadora. Como podemos ver, por exemplo, quando Chomsky compara os relatos de correspondentes de jornais que contemplaram os horrores da guerra em primeira pessoa. Alguns apresentam a agradável paisagem de um Vietnã desenvolvido, no qual “a grande massa da população pobre beneficiou-se” do processo de urbanização local; outros, como Neil Sheehan, revelaram-se indignados diante de um cenário onde “os trabalhadores de Saigon continuam vivendo, como sempre, em barracos fétidos nas imediações da cidade. (...) Bares bordéis, milhares de jovens vietnamitas se degradando como prostitutas e garçonetes em bares, bandos de desordeiros e mendigos e crianças vendendo as irmãs mais velhas e cometendo pequenos furtos”. Entretanto, as perspectivas inversas de ambos os relatos nos envia o alerta de que “a função do repórter é descrever o que tem diante dos seus olhos”. Enquanto alguns enxergam o progresso, justificando determinadas atitudes sob determinada cobertura ideológica, outros escancaram a degeneração e a sujeira colocadas debaixo do tapete. E a conclusão de Noam Chomsky sobre a carga ideológica contida na descrição dos fatos revela o quanto alguns “especialistas” desejam justificar as atrocidades cometidas pelo Estado: “se vez por outra o Tio Sam bate as cinzas do charuto em alguém por engano, não é motivo para tanto escarcéu", é o que pensam os ufanistas.

Em O poder americano e os novos mandarins, encontraremos algo mais além de forte oposição da intervenção militar dos EUA no Vietnã; encontraremos muito mais além de relatos e críticas pesadas a livros e artigos escritos por intelectuais liberais. Se quisermos ter uma noção relativamente profunda da Guerra Civil Espanhola, e da maneira como o anarcossindicalismo floresceu naquele período até a etapa na qual os trabalhadores foram massacrados pela força “comunista” da URSS e fascismo se arvorou no poder, a análise de Chomsky será um prato cheio, posso assegurar. Assim como o liberalismo ocidental possui viés ideológico que despreza a revolução social, o bolchevismo, na Espanha, também conseguiu fazer oposição às conquistas revolucionárias dos espanhóis. Mas prefiro não me deter a mais comentários sobre este assunto, que considero por demais maravilhoso e extenso.

Os últimos ensaios do livro, “A responsabilidade dos intelectuais” e “Da Resistência”, sem dúvida são algo a que irei refletir com muito cuidado, talvez até durante as próximas semanas. A leitura desse livro me tornou um ser humano mais cético diante das intenções do poder. De agora em diante, não serei mais escravo de ninguém, e é em direção à liberdade que guiarei a minha vida.

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