spoiler visualizarmadu 23/07/2022
queria farofa, encontrei depressão
em long shot, acompanhamos a história de iris dupree, uma fã de basquete e namorada de um jogador do mesmo esporte, e august west, o mais novo fenômeno da liga e rival do namorado da protagonista; acompanhamos a forma como, em meio a tantos percalços, essas duas histórias se entrelaçam.
primeiramente, devo exaltar a escrita da autora. posso dizer que poucas conseguem encantar com suas palavras hoje em dia. é claro que muitas histórias, muitas vezes, tocam nossos corações em nosso cotidiano. mas quantas palavras nos fazem, de fato, refletir? quantas palavras nos fazem sentir a vida, sentir seu poder? não me refiro à história completa, me refiro à cada mísera palavrinha que se conecta de uma forma tão certa, tão fundamental com a posterior que uma frase, que de outra forma seria simples, passa a carregar uma magnitude capaz de alterar a forma como enxergamos um texto. é isso que acontece nesse livro. e posso afirmar que, com apenas 300 páginas, a autora me conquistou como há muito não faziam.
em relação aos personagens, às suas vivências... posso declarar que nunca me senti mais satisfeita por ter lido um livro tão real. não é uma história batida, é um relato. é uma exposição. não é apenas ficção, são fatos. a história da iris, sua determinação em não se deixar levar pelo mesmo caminho que a mãe, a depressão pós-parto, sua dor como uma mulher negra miscigenada crescendo nos subúrbios da louisiana, com uma mãe abusiva e negligente, o caminho que essas mulheres tracejam, as decisões que cada uma delas toma para seguir caminhos diferentes, é de uma importância. é tão relevante. são histórias que merecem - e devem - ser escritas.
a vida de august, a pureza do coração dele, a maneira como ele se sente deslocado, como ele luta pelo seu lugar no mundo; a maneira com a qual ele sonha, almeja, mas não permite que a ambição apodreça seu coração, seu julgamento, sua visão de mundo... é raro. é lindo.
por fim, a relação dos personagens entre si: não importa se é ficção, se é um livro ou um filme, nos faz acreditar que algumas conexões, por mais breves que sejam, carregam consigo a capacidade de alterar nossas vidas, de nos marcar, para o bem ou para o mal. e de nos mudar de maneira monumental.
acerca do enredo, devo dizer que relatos de violência doméstica/abuso sempre cutucam meu coração, como imagino que aconteçam com muitos. mas a maneira como autora escreveu aqui, a maneira crua como ela descreveu a dor de uma mulher negra, que se viu em meio a farsa de um homem branco, famoso e rico e se deparou com a injustiça de um sistema que deveria nos acolher, um sistema falho e sujo, corrupto ao ponto de proteger os poderosos e desprezar as vítimas, foi de um mecanismo, de uma propriedade, de uma responsabilidade que poucos sairiam dessa história sem que suas concepções fossem totalmente abaladas.
não é como se não soubessemos que violência doméstica existe. não é como se não soubessemos que, agora, neste momento, enquanto escrevo isso, mulheres estão passando por algum tipo de agressão. não é como se não tivéssemos, em um nível intrínseco, a consciência de que a violência não somente existe, como ocorre com uma frequência que não deveria. é esperado que tenhamos essa consciência. vivemos normalmente com ela, mas tê-la no fundo da mente e, de repente, em primeiro plano... é diferente. assombra. e nos faz lembrar que não é uma luta individual. é de todas nós. e ler um livro como esse, com uma pesquisa verdadeira e consistente, não deveria ser algo raro, que acontece de uma vez em nunca. deveria ser recorrente. para que, dessa forma, a ciência de que a violência ocorre não seja esquecida, mas sim combatida. de frente. com afinco. com determinação. para que, então, a lembrança não seja para nós, mas para o sistema. para que eles não esqueçam que estamos aqui. que merecemos que nossas vozes sejam ouvidas. e que lutaremos para que as escutem.