Helder 23/03/2021Uma pérola em forma de livroOs livros que devoraram meu pai é um título maravilhoso para um livro extremamente curto e cheio de mensagens que me enganou direitinho.
Que magia Afonso Cruz criou neste livro!
A princípio, este livro é vendido como um livro infanto juvenil, e talvez até possa ser um passaporte de entrada para que jovens acessem o mundo da literatura, mas confesso que a experiencia para quem já tem uma bagagem literária é muito melhor.
O livro parece uma fantasia, mas para mim é uma fabula.
De início, o texto já nos devora, porque se você ama ler, vai ser ver no personagem de Vivaldo Bonfim, o pai do pequeno Elias, de 12 anos.
Vivaldo gostava tanto de ler que levava livros para ler escondido durante o expediente de trabalho até o dia que morreu.
Elias Bonfim, é um garoto estudioso, e é ele que narra este livro para nós
Seu melhor amigo tem o apelido de Bombo, por ser um menino obeso e ambos são apaixonados por Beatriz, uma informação que parece supérflua, mas que no fim faz toda a diferença.
Até hoje Elias acreditava que seu pai tinha morrido de enfarte, mas aos 12 anos sua avó lhe conta que na verdade seu pai foi engolido por um livro, A Ilha do Sr Moureau de H.G.Wells, e por acreditar que Elias chegou na idade correta, lhe dá a chave do sótão onde todos os livros do pai permaneceram guardados e intactos.
Abre-se uma porta de possibilidades para o garoto e a partir daí, Elias decide procurar seu pai dentro daqueles livros, e assim segue viajando entre livros e histórias e encontrando diversos personagens da literatura mundial, como o Sr. Prendick que sobreviveu ao Dr. Moreau, mas se transformou num cachorro que o leva até Mr Hyde, que lhe conta que conheceu seu pai, mas que na verdade ele estava a procura de Raskolnikov, que aparentemente ainda segue com sua consciência pesada por ter acreditado que havia coisas compensatórias em se cometer um crime.
E o que Raskolnikov e todo o seu peso russo terá para ensinar ao pequeno Elias??
Afonso Cruz tem uma linguagem lindamente poética e que faz nossos olhos brilharem durante a leitura.
Mas ao final, confesso que me surpreendi com o que o autor me trouxe, pois vi que sob toda aquela linda fantasia existia uma história muito mais triste e pesada, onde a culpa buscava uma explicação para tornar a vida mais leve.
Acho sinceramente que muitas pessoas que leram este livro, não conseguiram enxergar o elefante inteiro em sua cegueira.
Afonso Cruz realmente enxerga a literatura como uma salvação. Nem julgo se isso é correto, mas é bonito demais
Quem dera nossas vidas fossem como livros que permitissem diversas compreensões de acordo com cada pessoa que a lesse. De repente alguém enxergaria luz nos nossos lados mais escuros e isso nos traria alento, mesmo que as vezes o tempo não nos permita mais corrigir as consequências de nossos atos.
Um livro profundo!
“Cometi muitos erros ao longo da vida, e agora me resta, tal como Raskolnikov, rever me passado e tentar compreende-lo como um cego a apalpar um elefante e, quem sabe, me perdoar e aprender a viver com esse Mr.Hyde que aluga um apartamento em nossa cabeça”
“Porque um homem é feito de histórias, não é de DNA e músculos e ossos. História.”