Olivier.Louhenhart 19/08/2023
Fé, Esperança e a Balança da Providência
"Conde de Monte-Cristo" é uma obra singular e um dos mais interessantes e épicos livros que a humanidade já produziu.
A Obra segue Edmond Dantès, um simplório mas virtuoso jovem marujo prestes a subir na sua carreira e na vida quando é indicado para ser promovido ao posto de um navio chamado Faraó e está prestes a se casar com o amor da sua vida, Mercedes. A boa sorte de Edmond traz maus olhares nutridos de cobiça, inveja, egoísmo e ódio de Caderousse, Fernand Mondego e Danglars que, ao enviar uma denúncia caluniosa contra Edmond e acaba nas mãos do Procurador do Rei substituto, Gérard de Villefort, que viu na situação a oportunidade de proteger a honra da família e seu nome, envolvidos em atritos politicos de uma era conflituosa e por tabela conseguir grandes saltos na carreira.
Com isso, Edmond vai preso no dia do casamento e enviado ao Castelo D'If onde passa um inferno e quase morre de fome, como morreu de fome o pai que não aguentou a perda do filho e desistiu de viver. Por sorte, Edmond encontra um valioso companheiro que o ajuda a suportar o tempo nas solitárias, o engenhoso e muitíssimo inteligente abade Faria, que o instrui e o educa nas mais variadas habilidades e ciências. Faria também revela a Edmond um enorme tesouro e sua localização enquanto estava morrendo de uma doença. Quando o Abade morre, Edmond consegue escapar após 14 anos e dar início a um processo de vingança a aqueles que tiraram tudo dele, assumindo várias identidades diferentes, a principal sendo Conde de Monte-Cristo.
Essa é a premissa do livro, o livro desagua em três frentes principais, do Conde se infiltrando na alta sociedade de Paris e na Casa e consequentemente por meio dos filhos dos seus principais inimigos: Danglars, Villefort e Fernand. Cada Casa tendo seu próprio enredo e trama, cada uma com personagens importantes e pertinentes aos temas que a obra trabalha.
A exploração temática do livro é, disparado, o ponto mais forte da obra. Conde de Monte-Cristo não é uma sobre apenas o personagem-titulo, mas uma obra sobre a Vida. Sobre o melhor e o pior, sobre as tribulações e injustiças que vivemos e cometemos, sobre o valor das coisas e o próprio valor da vida, seus momentos amargos e os doces. Apesar de seus personagens maravilhosos e extremamente bem escrito como o próprio Conde, a obra trata de questões muito maiores, e a prova disso é como os temas da obra se constroem mesmo na ausência da influência ou presença do Conde. Há muitas pessoas que chamam a obra de "prolixa, desnecessariamente grande, ou que se perde em não focar no Conde" mas essas pessoas não entenderam a beleza que se trata do livro, da grande imagem e panorama que a obra constrói tão diligentemente e cuidadosamente. Há vários momentos durante a história que eventos não se entrelaçam diretamente com a trilha do personagem-título, mas são fundamentais para todo o ponto da obra. Por exemplo:
- Todo o Arco de Benedetto é fundamental para questões de identidade, raízes, passado e dissimulações
- A História de Luigi Vampa e o crime na Italia, e sua dinâmica no limiar da sociedade, além da crueldade humana.
- A história do tesouro de Monte-Cristo e a ganância desmedida
- Todo o arco de Maximillen e Valentine, e a esperança, desespero, amor e os limites da humanidade
- As próprias Casas da para englobam em si temas próprios. Cada Casa da obra traz consigo um grande tema, cada personagem recorrente traz uma abordagem e seus proprios temas, todos convergindo ao estudo do que é a vida e seus mistérios. Cada uma das mais de 1000 páginas são importante e validas, cheias de riqueza, ternura, sabedoria e maturidade. Tudo que você precisa saber sobre a vida está em Conde de Monte-Cristo. A Obra falta sobre tudo que é preciso para ser feliz (Religião, Inocência e Amor) e sobre tudo que é preciso para suportar as desgraças (Esperar e ter Esperança).
O Conde perdeu quatro coisas na sua tragédia:
1. O pai, que morreu de fome
2. Mercedes, seu amor e cobiçada por Fernand
3. A liberdade, tomada por Villefort.
4. A carreira.
Assim sendo, a obra aborda seis cenários onde trabalha as temáticas derivadas dessas perdas.
? A Casa dos Danglars carrega os temas de materialismo, avareza, cobiça e a falta de amor. Um homem que não liga para nada além do seu lucro, afastou a filha e a esposa, por avareza e falta de amor.
? A Casa dos Morcerf carrega o valor da honra, integridade e do passado, que sempre volta para prestar contas. As sucessivas traições e esfaqueamento pelas costas condenou Morcef, que ironicamente, seu filho é uma das pessoas mais obcecadas por honra.
? A Casa dos Villeforts fala sobre a hipocrisia, sobre a falta de sensibilidade e a falta de humanidade. A frieza e insensibilidade de Villefort o fizeram a destruir várias vidas e a hipocrisia rondou sua casa. Sua arrogância levou a níveis extremos de destruição e perda.
? A casa de Caderousse que fala sobre cobiça e ingratidão. Caderousse teve várias chances para se redimir durante a história, mas sua cobiça fez joga-las fora, e sua ingratidão as ignorou.
Além dessas quatro, temos
? A Casa dos Morrel que trata do real valor das coisas da vida e sobre gratidão, respeito, dignidade e altruísmo. A dignidade, amor e ternura dos Morrels, a sua simplicidade, companheirismo, dignidade e honra, mostram o que é o a bondade humana.
? por fim, o próprio Conde de Monte-Cristo de traz consigo o valor da fé, da esperança, da paciência, sabedoria e sobre o caminho da vingança, seu peso, limites e a corrupção que ela traz.
O Conde é um personagem muito bem escrito que encarna em si uma carga de enorme densidade simbólica mas principalmente conteúdos. Conde é um personagem extremamente cristão e com analogias cristãs, a mais obvia é a de aos 33 anos "renascer dos mortos". A história do Conde em si me lembra as jornadas trilhados por José do Egito e Jô, personagens bíblicos que sendo justos e inocentes, perderam tudo, mas nunca perderam a fé em Deus e foram restituídos com muitas mais bênçãos. Edmond se vê como um agente da Providência e cataliza todo seu rancor e fé para punir os maus, mas uma das maiores lições que ele aprende, é que ele é apenas um humano no fim do dia, que seu conhecimento e cálculos, por mais profundos que sejam são falhos, limitados e algo sempre lhe escapará. No caminho de sua vingança, Conde se redescobre humano e descobre como a trilha da vingança foi longe demais e o corrompeu, o fazendo perder sua Inocência. Por exemplo, ninguém feriu mais a amada Mercedes do que ele mesmo.
O trato do tema da vingança é muito bem feito, saindo dos clichês e desconstruindo essa jornada. Quais os limites para vingança? Quais as reais dimensões dos atos colaterais? O que é uma boa vingança? Particularmente, sempre achei a ideia de matar, muito branda, leve e rápida. Se eu quero me vingar, quero que a pessoa sofra tanto ou mais do que eu sofri, e há muitas coisas piores. Surpreendentemente para mim, esse pensamento se alinha com o que o personagem pensa e o norteia.
Mas é interessante notar que, foram as próprias ações dos inimigos do Conde que os condenaram. Claro, o Conde deu corda e meios, mas em última análise, foram os próprios inimigos que se arruinaram. Isso dá um certo senso de justiça poética, mas levanta questões: foi mesmo vingança? Ou talvez seja mesmo justiça e consequência dos atos dos próprios atos? Talvez isso anule o "olho por olho", mas é só uma das nuances da incrível profundidade temática da obra.
estética e intensidade de um verdadeiro herói byroniano, com seus conflitos e tragédias, a riqueza e genialidade em sua escritura, saindo de clichês e padrões e levando as suas nuances a um nivel completamente áureo, fazem do Conde de Monte Cristo um dos melhores personagens já escritos de toda ficção.
Outros temas da obra incluem:
- o cair de Mascaras e o peso das mentiras, ilustrado pelo próprio Conde e Benedetto.
- as consequências inescapaveis de nossos atos e passados
- a corrupção pelo ódio, inveja e ambição desmedida.
- a consequência de nossos atos em outras pessoas.
- o ponto de não retorno, de lidar com perdas e seguir em frente
- hereditariedade e pecados dos pais
- limites do ser humano.
Muito do mérito e pontos positivos da obra se deve a forma como Alexandre Dumàs brilhantemente sabe atribuir peso e importância das coisas e dos elementos. Sabe usar o "tempo de tela" e papéis dos personagens, bem como o peso das questões emocionais e mesmo coisas menos óbvias e intuitivas, de maneira maestral. A construção de tensão, o sentimento de tragedia e o senso tragedia é muito bem feito, mas o que diferencia um autor normal de um fenomental, não é saber criar tensão ou drama, mas a forma como ele lida e faz manutenção e desencadeamento delas e como as conclui, isso é a marca de um autor extraordinário e nisso, Dumàs se sobressai com um trabalho absolutamente incrível. Ele tem a perfeita noção da importância de detalhes e seus impactos emocionais, ele sabe bem o que nomes simbolizam e o uso das entrelinhas, a ponto de carregar tanta emoção acumulada e bem distribuída, que uma simples palavra faz desabar o peso do mundo e emocionar, arrepiar e criar um frenesi épico, sem diluir o valor das coisas. A sagacidade da história de Dumàs também tem de ser pontuada, que consegue se desenrolar todos os elementos a sua frente e ainda soar inesperado e natural, aí mesmo tempo, como no caso do Duelo com Albert.
Dumàs tem um jeito muito peculiar de tratar e escrever a obra, a tratando como uma ficção mesmo, falando de personagens como personagens e quebrando a quarta parede. O autor sabe dosar comédia leve com o drama da obra e tem aforismos e frases épicas memoráveis.
Claro, a obra não está imune a defeitos e críticas. Há muitas conveniências na obra, algumas exageradas. Como o envolvimento de Bertuccio, um criado do Conde, com Villefort e o testemunho do Caso dos Caderousse, que desagua na história de Benedetto.
Particularmente, senti falta de um "aftermatch". A Obra constrói muito bem a dimensão de todos os antos e seu justo impacto em cada um dos personagens e cenários, Dumàs se certifica de mostrar isso, como o mundo dele é vivo e orgânico e o peso das coisas. Após toda a explosão que foi a trama de vingança, senti falta da obra mostrar, no fim, toda dimensão e noção do que foi aquilo.
Também senti falta de mais ação e intensidade física ou pessoal, a obra de desenrola muito como novela das 9 as vezes, com atos mais pessoais e delicados, conversas e desabafos e coisas assim, tramas muito dependentes do símbolo pessoal de cada desenvolvimento, mais do que os atos em si. Preferia algo mais explosivo e brutal, mas entendo que é minha preferência.
Mas nada disso apaga o valor colossal que a obra tem. A Obra tem muita sensibilidade e sabe induzir muito bem o sentimento de fé, esperança e perseverança. É de muito valor para aqueles que tem pensamentos contra a vida ou passam por depressão ou momentos muito difíceis, e a obra sabe muito bem como esses momentos de dificuldade, são, bem, difíceis, mas que tudo eventualmente torna aos eixos certos.
Os personagens em si são muito variados e bem escritos e caracterizados, com um elenco bem recheado e trabalhado, cheio de dinâmicas e relações entre si, com traços peculiares.
Separo uma parte para falar só sobre edição da Martin Claret: ela beira a perfeição. As duas sobrecapas são lindíssimas e a própria capa também. A edição em capas amareladas, grossas e firmes, a boa tradução. Só reclamaria de duas coisas: a ausência das ilustrações oficiais e de algumas escolha editoriais da tradução, como por exemplo, usar "ch" para se referir a "shh" quando alguém pede silêncio. Há outros exemplos de escolhas que me incomodaram, mas nada demais.
Em suma: Conde de Monte-Cristo é uma obra magistral. A sensibilidade dos temas da vida e suas dores e desesperos, sabendo ser um exemplo e inspiração para suportar os piores momentos diferencia este tomo de todos os outros. Conde de Monte-Cristo é um livro perfeitl para aqueles com Depressão, injustiçados ou de mal com a vida. A história Rica, densa em detalhes e com muita maturidade, o entendimento do que se propõe a fazer e excelência no feitio, levam a uma narrativa que beira a perfeição e a consolida como uma das mais belas, inspiradoras e sabias obras que a humanidade já produziu.
Repito: Tudo que você precisa saber da vida, você encontra nesse livro.