Canoff 01/06/2023
Um belo livro para compreender a brevidade da vida: uma obra perfeita para enfrentar o luto e compreender o quão frágeis e insignificantes são alguns problemas diante do fim. Não levamos dinheiro, status ou pessoas conosco. O que realmente permanece é a n
Ana Claudia Quintana Arantes é uma médica paliativista renomada e conhecida por sua paciência e método de lidar com a morte de seus pacientes, que às vezes são seus amigos de longa data ou amizades criadas com a rotina médica. No livro, Ana apresenta vários pacientes e descreve sua experiência ao acompanhar vários casos, tanto de homens quanto de mulheres, em direção ao destino inevitável, mas repudiado: a morte. O diferencial de Ana está na facilidade em conversar sobre a morte iminente com seus pacientes e seus familiares. Ana diz que é fácil encontrar médicos paliativistas que escolhem não abordar a morte iminente de seus pacientes, pois, segundo esses médicos, não há necessidade.
Durante os relatos de Ana, sua paixão pela profissão fica explícita, pois, em vários momentos, ela demonstra compaixão, empatia e paciência com seus pacientes. A forma como Ana trata os doentes demonstra que todo tratamento é bem-vindo, toda conversa, toda amizade, toda pessoa é digna de ter seus últimos momentos ao lado de quem ela deseja. Ao longo do livro, são abordadas com mais detalhes as experiências de seus pacientes mais velhos, pois acredito que quanto mais vivência a pessoa tem e quanto mais perto da morte ela está, mais chances temos de receber ensinamentos atemporais.
Não tenho dúvidas de que os mais velhos tornaram esse livro algo inesquecível e reflexivo, mas o livro também conta com o relato de Ana sobre seus pacientes mais novos e inexperientes. Em meio aos relatos, há divergências de crença, opiniões, suposições e outras ideologias que tornam uma pessoa aberta ou não ao tratamento do câncer (a doença central abordada no livro).
Acho louvável abordar com mais afinco dois casos, nos quais Ana deparou-se com tratamentos impossibilitados por crenças. Ana usa somente a inicial dos nomes dos pacientes, mas mesmo sem o nome, ela consegue discorrer e prender o leitor com uma precisão invejável. Dado o fato, daremos o nome de Roberto e Mateus aos dois pacientes que serão abordados.
--- Roberto, por sua vez, era um senhor de idade avançada que, por intermédio de sua crença, dizia aos médicos que conhecia seu quadro, mas não queria receber tratamento, pois acreditava que a vida deve ser retilínea. Ana, a princípio, respeitou a opinião de Roberto, mas as coisas mudaram quando ele desejou eutanásia - um procedimento que Ana disse ir contra seus princípios e que, caso Roberto se mostrasse irredutível, ela abandonaria o caso.
--- Mateus, um menino que tinha por volta de 15 anos, foi diagnosticado com um câncer avançado e sem cura. Mateus não era paciente de Ana, mas o médico do garoto pediu sua ajuda. Ao chegarem à casa de Mateus, Ana percebeu rapidamente uma energia pesada e que os pais do garoto estavam irredutíveis em relação ao tratamento, por conta de sua fé. A abordagem que Ana teve com Mateus e sua mãe foi surpreendente, pois, ao se mostrarem irredutíveis, Ana conseguiu trabalhar em cima de argumentos diretamente ligados à crença da família.
O conhecimento de Ana sobre métodos paliativos é surpreendente. A forma como ela consegue coordenar os problemas e as soluções é sensacional. O método de Ana torna o dia da morte um dia que vale a pena ser vivido. A leveza da escrita, dos diálogos, das problemáticas e dos medos é admirável. Ela tem o dom de tornar tudo mais leve, tudo claro, não deixa seus pacientes sozinhos, dedica-se aos casos a todo momento, apega-se aos pacientes, não tenta salvá-los, mas torna sua experiência final algo terno e bonito para todos.
O livro também aborda situações que, segundo Ana, fogem da literatura médica. Em vários momentos, Ana relata experiências que são "impossíveis" no conceito médico. Pessoas com poucos batimentos cardíacos, pouca respiração, pessoas que "renascem" para rever seus familiares antes de irem embora, de fato. Ana atribui todos esses e outros acontecimentos descritos na obra a milagres.
No fim do livro, Ana relata como lidou com a morte dos próprios pais. A médica diz que foi um momento extremamente delicado, mas que, devido aos seus anos de experiência com finais, soube lidar muito melhor. Assim como Ana buscou acabar com as dores e sofrimentos antes da morte de seus pacientes, ela queria garantir que sua mãe tivesse a mesma experiência. Ela descreve a morte da mãe como "a morte mais bonita que já existiu".
Minha experiência com o livro foi ótima. Tive reflexões, fiquei comovido, me prendi totalmente nos relatos de Ana, em seus pacientes, na abordagem médica aplicada pelos profissionais de saúde acompanhados por ela, em tudo. A capacidade incomensurável de Ana de não julgar nenhum de seus pacientes, mesmo que eles tenham errado muito em seus passados, mesmo que tenham cometido crimes, ela não diferencia o tratamento. Segundo ela, todos merecem uma morte digna e o menos sofrida possível.
OBS:. Um ponto a salientar é que era melhor que Ana tivesse criado nomes aos seus pacientes. Usar somente a inicial do nome torna a leitura um pouco confusa. Entendo o quesito "privacidade", mas nomes fictícios atenderiam essa característica e ainda envolveria mais o leitor.