Fabio Brust 20/10/2020
Desde o primeiro momento em que eu ouvi falar sobre "O Livro de Líbero", de Alfredo Nugent Setúbal, eu sabia que tinha que ler o quanto antes. O motivo é que a história tem um tema muito parecido com o livro que eu mesmo lancei em 2020, "Ex Libris": são narrativas que apresentam livros nos quais estão escritas as histórias das vidas das pessoas. Mas, na verdade, as semelhanças terminam aí.
"O Livro de Líbero" é dividido em duas partes. A primeira mostra o circo Bosendorf chegando à pacata cidade de Pausado e o personagem do título sendo confrontado pela existência de um livro que narra sua própria vida, oferecido a ele por Baltazar, um personagem que viaja com o circo e não tem uma função muito clara lá (ou vai ver eu devia ter prestado mais atenção na profissão dele). Baltazar deve entregar os livros das vidas das pessoas a elas, para que os leiam e sigam seus destinos a partir disso.
A segunda parte é mais focada na cidade em si e no que se tornou dela a partir da partida do Bosendorf - e o que aconteceu com Líbero, depois de decidir se lia ou não o livro de sua vida. Quem conta essa parte é Rubio, funcionário do jornal local, que é gerido pelo pai do Líbero. E, nessa segunda parte, acompanhamos mudanças profundas e tentamos entender o que se passa na cabeça do nosso personagem principal que, apesar disso, não é o narrador da própria história.
É muito interessante ver como a família do Líbero é importante nesse livro, sendo fundamental para entender tudo o que acontece e sendo afetada ativamente por todas as decisões do filho. A própria cidade é afetada, mas o principal é o próprio Líbero Perim, cuja vida é virada de cabeça para baixo depois do encontro com Baltazar no circo. De certa maneira, vemos um efeito borboleta em ação, já que a decisão que ele toma na noite do circo acarreta uma reviravolta em sua vida e ficamos refletindo sobre as consequências de cada uma de nossas ações.
Ainda que a segunda parte seja um pouco decepcionante com relação aos rumos que a história segue (que para mim foram inesperados), com uma melancolia característica, toda a narrativa é muito bem escrita e cativante, dando aquela vontade de continuar lendo para saber o que vai acontecer em seguida. Senti falta de uma presença maior do circo nessa segunda parte em especial, até porque o projeto gráfico do livro sugere que o circo seria mais presente. Também me pareceu que algo positivo seria falar mais sobre a origem desses livros e quem os escrevia... mas o fato de serem misteriosos na trama não me incomodou de todo, já que o foco é outro.
A cidade de Pausado é quase uma personagem nessa história, tamanha é sua importância. Adorei como o autor conseguiu passar nas páginas do livro a sensação de se estar em um lugar tão pequeno e idílico, como as cidades que eu conheci na minha infância e a minha própria cidade natal. O lugar parece realmente vivo nas palavras do Alfredo.
Com certeza "O Livro de Líbero" é uma leitura que vale a pena ser feita; a história pode até ser um pouco mais triste do que eu imaginava, mas isso não tira o mérito dela e, pelo contrário, a torna mais profunda e reflexiva. Mesmo que não fosse o caminho que eu teria escolhido para o Líbero, gostei de acompanhar o que ele tomou e a última frase do livro, em especial, me deixou com um sorriso no rosto.